A Guiné-Bissau, situada na costa ocidental de África, é um território pequeno em dimensão, mas de extraordinária riqueza geológica, biológica e cultural. A sua história começa há centenas de milhões de anos, quando forças tectônicas moldaram o continente africano e criaram a base física sobre a qual se ergueria a vida e a civilização.
Este texto convida o leitor a percorrer essa longa jornada — da formação geológica à evolução das sociedades humanas — distinguindo o que é fato científico comprovado, o que é hipótese em estudo e o que pertence à tradição oral das comunidades guineenses.
Nota Introdutória à Série “Povos soberanos de África”
Os textos que compõem esta série são fruto de um extenso trabalho de pesquisa, reunindo informações de diversas fontes — algumas históricas e academicamente reconhecidas, outras baseadas em tradições orais que atravessaram gerações. O nosso objetivo é o de trazer a público uma leitura viva e acessível sobre personagens, acontecimentos e civilizações africanas que marcaram a história, tentando equilibrar o rigor científico com o respeito à memória ancestral.
Sabemos, no entanto, que a História nem sempre é exata: pode conter lacunas, interpretações distintas e até equívocos inevitáveis. É possível que certas passagens despertem sensibilidades ou contrariem visões patrióticas. Por isso, convidamos o leitor a caminhar conosco neste processo de redescoberta — e, sempre que encontrar algo que julgue impreciso, fora de contexto ou inapropriado, que nos diga. O diálogo é parte essencial desta jornada de conhecimento e reconstrução da nossa memória coletiva.
As origens geológicas: um território nascido do Gondwana
Do ponto de vista geológico, a Guiné-Bissau faz parte da vasta Plataforma da África Ocidental, uma das regiões mais antigas do planeta. O seu substrato rochoso remonta ao Pré-Câmbrico, há mais de 2,5 mil milhões de anos, quando o continente africano fazia parte do supercontinente Gondwana.
Os estudos geotectônicos (Reyment, 1980; Villeneuve, 2005) confirmam que o território foi moldado por ciclos de sedimentação, erosão e levantamento tectônico, resultando numa morfologia dominada por planícies, colinas suaves e uma complexa rede hidrográfica que desemboca no Atlântico.
Eventos de rifteamento (abertura de fendas) durante o Jurássico e Cretácico contribuíram para a separação da América do Sul e a formação do Atlântico Sul, deixando vestígios em formações sedimentares costeiras ricas em argilas, arenitos e depósitos fossilíferos.
Hoje, o subsolo guineense revela um potencial mineral diversificado: bauxita, fosfatos, areias pesadas e potenciais jazidas petrolíferas offshore — embora o seu aproveitamento econômico ainda seja incipiente.

Estrutura tectónica e recursos naturais
Do ponto de vista tectônico, a Guiné-Bissau é caracterizada pela estabilidade relativa do Cratão da África Ocidental [Um cratão é uma parte antiga e estável da litosfera continental, caracterizada por ter uma estrutura sólida e resistente que se formou ao longo de milhões de anos e não passou por deformações significativas desde então], com poucas falhas ativas. A ausência de vulcanismo recente e de grandes sismos indica uma atividade tectônica moderada, contrastando com regiões mais dinâmicas como o Vale do Rift Africano.
Essa estabilidade permitiu a formação de solos férteis, especialmente nas zonas de aluvião e manguezais, essenciais para a agricultura tradicional.
Entre os recursos naturais identificados, destacam-se:
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Bauxita e fosfatos — explorados em pequena escala, mas de grande potencial industrial;
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Petróleo e gás natural — objeto de prospeção, sobretudo na bacia marítima do Rio Grande de Buba;
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Madeira, castanha de caju e peixe — atualmente as principais bases da economia nacional.
A exploração sustentável desses recursos, segundo estudos recentes (UNDP, 2019), é essencial para o equilíbrio entre crescimento econômico e preservação ambiental.
Fauna e flora: um mosaico de biodiversidade atlântica
A Guiné-Bissau insere-se na Região Ecológica da Guiné Alta, uma das mais biodiversas do mundo. O país abriga ecossistemas que vão de florestas húmidas tropicais a manguezais, savanas e estuários — habitats de espécies emblemáticas como o chimpanzé da África Ocidental (Pan troglodytes verus), o hipopótamo-pigmeu, diversas aves migratórias e espécies marinhas ameaçadas.
O Arquipélago dos Bijagós, reconhecido pela UNESCO como Reserva da Biosfera, é um exemplo notável de equilíbrio ecológico e cultural: as comunidades locais mantêm práticas de pesca e agricultura sustentáveis baseadas em tradições orais milenares, mas compatíveis com os princípios da conservação moderna.
A flora, dominada por palmeiras, mangueiras, cajueiros e baobás, reflete tanto adaptações naturais como introduções humanas ao longo de séculos de intercâmbio regional e colonial.
Migração e evolução das primeiras populações humanas
Do ponto de vista antropológico e arqueológico, as primeiras populações humanas do atual território da Guiné-Bissau remontam, segundo achados de ferramentas líticas, ao Paleolítico Superior (cerca de 40.000 anos atrás).
Estudos genéticos e linguísticos (Ehret, 2001; Vansina, 1995) sugerem que as comunidades mandês e atlânticas (papéis, balantas, manjacos, bijagós) resultaram de ondas migratórias vindas tanto do interior do continente (região do atual Mali e Guiné) como da costa atlântica.
A transição neolítica trouxe a agricultura, a cerâmica e o sedentarismo, marcando o início de uma organização social complexa. As sociedades guineenses desenvolveram sistemas políticos descentralizados, com chefaturas baseadas em linhagens, sistemas religiosos animistas e redes comerciais que ligavam o interior ao litoral.
A tradição oral, preservada por griots e anciãos, narra a chegada dos ancestrais fundadores em jornadas espirituais guiadas por símbolos e totems. Embora esses relatos não sejam comprováveis pela ciência, são fundamentais para compreender a cosmologia e identidade étnica guineense.
Do comércio africano às rotas coloniais
Entre os séculos XV e XIX, a Guiné-Bissau tornou-se um ponto estratégico no comércio atlântico. Os portugueses estabeleceram feitorias em Cacheu, Bissau e Geba, integrando a região nas rotas do tráfico de escravos.
Do ponto de vista econômico e social, as comunidades locais reagiram de formas diversas: algumas colaboraram e enriqueceram com o comércio, outras resistiram e se refugiaram nas matas.
A introdução de culturas agrícolas (como o arroz asiático e o amendoim) transformou a economia rural, enquanto a influência islâmica e cristã moldou novos sistemas de poder e crença.
A ciência histórica (Rodney, 1972; Brooks, 1993) reconhece a complexidade dessas interações: não se tratou de uma simples dominação europeia, mas de uma coexistência de poderes e culturas em constante negociação.
Desenvolvimento social, econômico e tecnológico
Após a independência (1973/1974), a Guiné-Bissau enfrentou o desafio de reconstruir-se economicamente.
O setor primário continua sendo a base da economia: agricultura, pesca e silvicultura representam mais de 60% do PIB. O comércio do caju, principal produto de exportação, é hoje uma fonte vital de receita, embora ainda dependente das flutuações do mercado internacional.
O país também investe em educação ambiental e investigação científica, com apoio de universidades e organizações internacionais, para melhor compreender e preservar o seu patrimônio natural e humano.
Ciência, mito e tradição
A história da Guiné-Bissau é tecida entre fatos geológicos e biológicos verificáveis e narrativas simbólicas que explicam o mundo através da ancestralidade.
A ciência oferece medições e datas; a tradição oral oferece significados e pertencimento. A convivência desses dois modos de conhecimento não é contraditória — é complementar e necessária para compreender a verdadeira dimensão da identidade guineense.

Conclusão
Da formação das suas rochas às epopeias dos seus povos, a Guiné-Bissau é uma síntese viva entre terra, vida e humanidade.
O território guarda na sua geologia o testemunho do tempo profundo da Terra; na sua flora e fauna, o testemunho da evolução natural; e nas suas culturas, o testemunho da inteligência humana em harmonia com o ambiente.
Compreender essa história — científica, simbólica e social — é um passo essencial para valorizar o presente e projetar o futuro da Guiné-Bissau como nação sustentável, orgulhosa e consciente das suas raízes.
Referências Bibliográficas
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BROOKS, George E. Landlords and Strangers: Ecology, Society, and Trade in Western Africa, 1000–1630. Boulder: Westview Press, 1993.
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EHRÉT, Christopher. An African Classical Age: Eastern and Southern Africa in World History, 1000 BC to AD 400. University of Virginia Press, 2001.
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NEWITT, Malyn. A History of Portuguese Overseas Expansion, 1400–1668. Routledge, 2005.
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PNUD (UNDP). Relatório de Desenvolvimento Humano da Guiné-Bissau. Nações Unidas, 2019.
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REYMENT, R. A. Aspects of the Geology of Africa. Stockholm: Almqvist & Wiksell, 1980.
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RODNEY, Walter. How Europe Underdeveloped Africa. London: Bogle-L’Ouverture Publications, 1972.
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SANTOS, A. C. Geologia e Recursos Minerais da Guiné-Bissau. Lisboa: Instituto Geológico e Mineiro, 1998.
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VANSINA, Jan. Paths in the Rainforest: Toward a History of Political Tradition in Equatorial Africa. University of Wisconsin Press, 1995.
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VILLENEUVE, Michel. Les Domaines Protérozoïques de l’Afrique de l’Ouest et Centrale. Paris: CNRS Éditions, 2005.
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