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IV - O Iluminismo que atravessou o Atlântico
Do terremoto de Lisboa ao coração do Brasil colonial, as ideias pombalinas levaram a racionalidade e o controle do Estado às colónias — criando raízes no ensino, na economia e até na urbanização.
Por António Cunha
Publicado em 05/11/2025 08:30
História, Filosofia & Religião

 

 

Depois do terramoto de 1755, Portugal não apenas reconstruiu a sua capital — reconstruiu também a forma de pensar o Império.


Sob o comando de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, a metrópole passou a enxergar as suas colónias como laboratórios administrativos onde o novo pensamento iluminista poderia ser testado: racionalidade, ciência, eficiência e ordem.

As ideias que haviam moldado a reconstrução de Lisboa — planejamento urbano, ensino científico e centralização do poder — cruzaram o Atlântico e começaram a remodelar a vida no Brasil.


Nota do autor — Série Especial sobre o terramoto de 1755 e as suas implicações

Os cinco textos que compõem esta série são o resultado de pesquisas históricas realizadas com o intuito de nos aproximar de um dos períodos mais fascinantes e transformadores de um evento com consequências para a história universal: o Terramoto de 1755 e o legado do Marquês de Pombal.

Apesar do rigor na apuração, é possível que existam imprecisões, lacunas ou interpretações passíveis de debate, fruto da complexidade dos fatos e das diferentes leituras que a História permite.

Se, ao ler, encontrar informações que lhe pareçam incorretas, descontextualizadas ou incompletas, convidamo-lo a entrar em contacto connosco.
A História constrói-se no diálogo — e este projeto nasce justamente do desejo de pensar com espírito crítico e mente aberta.

Porque *compreender o passado é o primeiro passo para reconstruir o futuro*.


 

O Iluminismo ao serviço do Império

O “Iluminismo português” não tinha como meta libertar os povos ou promover revoluções, como o francês.
O objetivo era outro: modernizar para dominar melhor.
Pombal acreditava que um império bem administrado era aquele em que o saber científico e a instrução pública estavam subordinados ao Estado — e não à Igreja.

Talvez por isso, uma das suas grandes batalhas tenha sido a expulsão dos jesuítas em 1759.
O impacto foi profundo: os colégios e as missões jesuíticas eram a principal rede de ensino e catequese. A sua expulsão deixou um vazio que o governo português tratou de preencher com escolas régias, aulas públicas de ciências e línguas modernas e um rígido controlo sobre o conhecimento.

No Brasil, começaram a surgir professores régios nomeados pela Coroa, encarregados de difundir o ensino laico e obediente aos princípios da metrópole.
Foi o início da educação estatal no mundo que falava português.


A racionalização do território

Com o mesmo espírito técnico que guiou a reconstrução de Lisboa, o governo pombalino aplicou às colónias uma política de reorganização territorial.
Criou-se um sistema mais uniforme de capitanias e vilas, com normas administrativas e fiscais claras.
Os mapas começaram a ser desenhados com precisão — fruto da cartografia científica que se desenvolveu sob sua orientação.

Na Amazónia, o Tratado de Madrid (1750), negociado por Alexandre de Gusmão sob influência pombalina, redefiniu fronteiras com base no princípio do uti possidetis — “quem ocupa, possui” — apoiando-se em levantamentos geográficos e observações naturais.
Era o Iluminismo aplicado à diplomacia: usar o conhecimento como instrumento de soberania.


O Brasil como espaço de experimentação

Durante o governo de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Brasil tornou-se um campo de ensaio para as novas ideias científicas e administrativas.
Foram criadas companhias monopolistas (como a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba) para estimular o comércio e aumentar a arrecadação de impostos para a Coroa.
Essas companhias funcionavam sob rígida disciplina económica, inspiradas nas corporações mercantis britânicas — um modelo de “racionalidade econômica controlada”.

No ensino, as aulas régias de gramática, geometria e filosofia natural começaram a surgir nas principais vilas, especialmente em Salvador, Rio de Janeiro e Recife.
Ainda que incipiente, esse movimento introduziu o estudo laico e desencorajou a visão teológica do mundo, preparando o terreno para as futuras reformas educacionais do século XIX.


Urbanismo e o “espírito da ordem”

O impacto pombalino também chegou ao urbanismo colonial.
Após o incêndio de Lisboa, as ideias de planeamento racional e segurança estrutural passaram a orientar projetos em cidades do Brasil.
A reconstrução de Vila Real de Santo António, no Algarve, e Vila Boa de Goiás (no Brasil Central) seguiu princípios semelhantes: ruas largas, traçados geométricos, praças proporcionais e edifícios padronizados.

Esse modelo de cidade organizada — símbolo da autoridade do Estado — espalhou-se por várias colónias, associando urbanismo à ordem e à obediência.
A cidade deixava de ser orgânica e passava a ser uma ferramenta de controle e progresso.


O controle do conhecimento

Se o Iluminismo europeu libertava o pensamento, o de Pombal disciplinava o pensamento.
O Marquês acreditava que o saber devia servir ao Estado e à economia, não à especulação.
Por isso, centralizou a censura, criou a Real Mesa Censória (1768) e substituiu o Santo Ofício como autoridade de vigilância intelectual.

Livros de ciências e filosofia eram bem-vindos — desde que não questionassem a Coroa.
Assim, o conhecimento moderno entrou no mundo português sob vigilância, mas entrou.


As sementes que floresceriam no Brasil independente

Mesmo após a morte de Pombal, em 1782, o seu legado atravessou o tempo.
As reformas educacionais e administrativas inspiraram a geração de intelectuais luso-brasileiros do final do século XVIII, como José Bonifácio de Andrada e Silva, formado em Coimbra sob o novo currículo científico que o Marquês implantara.

Foi essa geração — educada sob os princípios da razão e da observação — que mais tarde lideraria as reformas e a independência do Brasil.
A “razão de Estado” de Pombal daria lugar à “razão nacional” dos novos impérios.


Um legado ambíguo, mas transformador

O Iluminismo português, autoritário e disciplinador, não gerou revoluções como na França — mas gerou instituições, escolas, métodos e técnicos.
Foi um Iluminismo que ensinou a medir o mundo, a planejar as cidades, a valorizar o saber útil.

No fim, o eco do Marquês de Pombal não foi apenas político: foi epistemológico.
Ele plantou a ideia — ainda que controlada — de que governar é compreender, administrar é calcular, educar é libertar com método.

Do terremoto de Lisboa ao ouro de Minas, do Tejo ao Atlântico, o Iluminismo pombalino foi o fio invisível que costurou a passagem do império teológico ao império racional.


As marcas do pensamento pombalino no Brasil

  • Educação: criação de aulas régias e substituição do ensino jesuítico por disciplinas científicas e laicas.
  • Economia: fundação de companhias monopolistas e incentivo à produção e comércio controlado.
  • Cartografia e fronteiras: aplicação de princípios científicos na demarcação territorial (Tratado de Madrid).
  • Urbanismo: cidades planejadas com traçados geométricos e ruas largas, inspiradas na Baixa Pombalina.
  • Controle do conhecimento: criação da Real Mesa Censória e vigilância sobre publicações.

O Iluminismo luso-brasileiro: herdeiros de Pombal

José Bonifácio de Andrada e Silva – formou-se sob o modelo coimbrão pombalino e aplicou métodos científicos na política brasileira.
Hipólito da Costa – jornalista iluminista, fundador do Correio Braziliense, defensor da educação e da liberdade de imprensa.
Domingos Vandelli – naturalista italiano chamado por Pombal para lecionar em Coimbra; mentor de cientistas luso-brasileiros.
Reformas pombalinas em Coimbra – criaram as bases da elite intelectual que conduziu o Brasil ao século XIX.


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