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III - O Iluminismo de Estado
Entre a fé e a ciência, o Marquês de Pombal fez do Iluminismo uma política de Estado — e transformou o modo como Portugal via o mundo, a educação e o próprio futuro.
Por António Cunha
Publicado em 04/11/2025 08:30
História, Filosofia & Religião

 


A luz da razão chega a Lisboa

Quando Lisboa desmoronou em 1755, o velho mundo português — profundamente católico, conservador, hierarquizado e dependente de dogmas — desabou junto com as igrejas e palácios. No meio dos escombros, o Marquês de Pombal imaginou mais do que uma reconstrução da cidade: viu a oportunidade de reconstruir mentalidades.

Formado academicamente em Coimbra e moldado pela experiência diplomática em Londres e Viena, Sebastião José de Carvalho e Melo havia respirado o ar do Iluminismo europeu, um movimento que colocava a razão, a ciência e o progresso acima do conservadorismo da tradição e da superstição.

Em Londres, observou a organização do comércio e a eficiência do Parlamento; em Viena, conviveu com pensadores e reformistas que questionavam a autoridade da Igreja e o absolutismo tradicional. Ao regressar a Lisboa, trazia consigo a convicção de que Portugal precisava sair da penumbra medieval e caminhar sob a luz da racionalidade.


Nota do autor — Série Especial sobre o terramoto de 1755 e as suas implicações

Os cinco textos que compõem esta série são o resultado de pesquisas históricas realizadas com o intuito de nos aproximar de um dos períodos mais fascinantes e transformadores de um evento com consequências para a história universal: o Terramoto de 1755 e o legado do Marquês de Pombal.

Apesar do rigor na apuração, é possível que existam imprecisões, lacunas ou interpretações passíveis de debate, fruto da complexidade dos fatos e das diferentes leituras que a História permite.

Se, ao ler, encontrar informações que lhe pareçam incorretas, descontextualizadas ou incompletas, convidamo-lo a entrar em contacto connosco.
A História constrói-se no diálogo — e este projeto nasce justamente do desejo de pensar com espírito crítico e mente aberta.

Porque *compreender o passado é o primeiro passo para reconstruir o futuro*.


 

A ciência substitui a providência

O Terramoto de 1755 foi o ponto de viragem. Enquanto teólogos e pregadores tentavam explicar a tragédia como se de um castigo divino se tratasse, Pombal impôs uma leitura prática e empírica: “não é Deus, é a terra”.

Determinou que engenheiros, padres e autoridades locais enviassem relatórios minuciosos sobre o que tinham visto e sentido — onde a terra tremeu, quanto tempo durou, como se comportaram o mar e o solo. Esses dados deram origem a um dos primeiros levantamentos científicos sobre um terremoto da história moderna.

O gesto simbolizou algo maior: a substituição da providência pela razão como ferramenta de governo.

Enquanto uns confiavam na fé, Pombal confiava em estatísticas.


Iluminismo com autoridade

Mas o Iluminismo de Pombal não era o dos salões franceses. Era um Iluminismo pragmático e adaptado à governação.
Ele acreditava que o progresso só se alcançaria sob uma administração forte e disciplinada — uma “razão de Estado” iluminada.

Inspirado em ideias da reforma moral e utilidade pública, promoveu uma reorganização da educação, criando as Escolas Régias e introduzindo o ensino de matemática, física e ciências naturais — algo revolucionário para um país dominado por colégios religiosos.

A expulsão dos jesuítas, em 1759, simbolizou o rompimento com o domínio eclesiástico sobre o ensino e marcou o início de uma era de secularização parcial da instrução portuguesa.

O homem nasce para aprender, não para repetir”, escreveu um cronista da época sob influência pombalina.

Pombal via o conhecimento como instrumento de poder e soberania nacional. Reformou a Universidade de Coimbra em 1772, introduzindo laboratórios, gabinetes de física e cursos de ciências aplicadas. Portugal, enfim, voltava a caminhar rumo à modernidade científica.


O Estado como laboratório

Na sua visão, o Estado deveria funcionar como um organismo racional, onde tudo tivesse função, eficiência e propósito.

Instituiu estatísticas económicas, criou companhias monopolistas de comércio, incentivou manufaturas nacionais e reformou a administração fiscal.
Pela primeira vez, Portugal começou a medir a sua produção, a sua balança de comércio e a sua população — algo essencial para o pensamento económico moderno.

Pombal inspirava-se em autores como Francis Bacon e Locke, que viam o conhecimento como fruto da observação e da experiência. Não era um filósofo, mas aplicava filosofia na prática: governava com o espírito do empirismo.

Lisboa, reconstruída com avenidas geométricas e prédios antisísmicos, era o reflexo urbano da sua mentalidade: ordem, cálculo e prevenção.


Entre o despotismo e a modernidade

Críticos o chamavam de déspota, e com razão. À época, a sua política era considerada autoritária, a sua justiça, implacável pelos seus detratores. Mas a sua "tirania" tinha um propósito: submeter o poder à razão e não à tradição.

Na visão do Marquês de Pombal, o povo precisava de ser conduzido pela mão firme da racionalidade estatal até aprender a pensar por si. Um paradoxo típico do século XVIII — quando se acreditava que a liberdade só floresceria depois da reforma moral imposta pelo Estado.

Ao fim, o Marquês de Pombal transformou Portugal num laboratório do Iluminismo político.
Talvez não tenha "iluminado" tanto assim, mas "acendeu uma centelha de modernidade" num país que tinha perdido o impulso cientifico constante durante grande parte da Dinastia de Avis, e que teimava em se equilibrar entre o altar e o telescópio.


O legado que ecoa

Hoje, os ecos do pensamento pombalino sobrevivem não apenas nas ruas retas da Baixa de Lisboa, mas na própria cultura administrativa de Portugal.
A sua fé na educação pública, na ciência e na racionalidade como motores de progresso antecipa o Estado moderno, capaz de planejar, medir e intervir.

O Iluminismo em Portugal não brilhou com a mesma intensidade que em Paris ou Berlim, mas teve neste Marquês a sua chama singular — austera, racional, nacionalista.

A reconstrução de Lisboa foi o primeiro edifício erguido com base na ciência moderna — e o último erguido sob a autoridade de um homem só”, escreveu o historiador Kenneth Maxwell.

Entre a fé e o cálculo, entre o altar e a régua, o Marquês de Pombal construiu a ponte que levou Portugal do século XVII ao XIX.
Uma ponte feita de pedra, lógica e poder.


O Iluminismo segundo Pombal

  • Razão acima da fé: governo baseado em observação e ciência, não em dogmas religiosos.
  • Educação laica e científica: reforma da Universidade de Coimbra (1772) e criação das Escolas Régias.
  • Planejamento urbano racional: a Baixa Pombalina como símbolo da cidade iluminista.
  • Estado tecnocrático: uso de estatísticas e relatórios para fundamentar decisões políticas.
  • Autoridade racional: centralização do poder como forma de impor o progresso.

O legado científico do pensamento pombalino

Primeiro inquérito sismológico do mundo (1755)
Introdução da física experimental e da medicina moderna em Coimbra
Criação de gabinetes científicos e museus públicos
Valorização da economia como ciência de Estado
Fundação do conceito de “interesse público” como princípio de governo

 


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