Na manhã de 1º de novembro de 1755, Lisboa acordou sob os sinos das igrejas e os cânticos do Dia de Todos os Santos. Pouco depois das 9h40, a terra rugiu, o rio recuou e a cidade se partiu em fogo, cinzas e espanto. O terramoto — seguido de tsunami e incêndios — arrasou a capital e fez tremer o império português.
Enquanto muitos viam no desastre um castigo divino, um homem viu nele um desafio racional: Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal.
Nota do autor — Série Especial sobre o terramoto de 1755 e as suas implicações
Os cinco textos que compõem esta série são o resultado de pesquisas históricas realizadas com o intuito de nos aproximar de um dos períodos mais fascinantes e transformadores de um evento com consequências para a história universal: o Terramoto de 1755 e o legado do Marquês de Pombal.
Apesar do rigor na apuração, é possível que existam imprecisões, lacunas ou interpretações passíveis de debate, fruto da complexidade dos fatos e das diferentes leituras que a História permite.
Se, ao ler, encontrar informações que lhe pareçam incorretas, descontextualizadas ou incompletas, convidamo-lo a entrar em contacto connosco.
A História constrói-se no diálogo — e este projeto nasce justamente do desejo de pensar com espírito crítico e mente aberta.
Porque compreender o passado é o primeiro passo para reconstruir o futuro.

O diplomata que Lisboa ignorava
Antes do terramoto, Carvalho e Melo era um político pouco carismático, apesar da sua inteligência prática e incisiva. Nascido em 1699, em Lisboa, filho de uma família da pequena nobreza rural, estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde se destacou pela mente lógica e pela habilidade na argumentação.
Aos 33 anos, entrou para a diplomacia portuguesa e viveu anos decisivos na europa, sobretudo em Londres e Viena, onde conheceu de perto o espírito do Iluminismo europeu. Observou o poder da ciência, da organização e da disciplina na administração pública britânica e austríaca — lições que levaria consigo para Portugal.
Ao regressar a Portugal, já sob o reinado de D. José I, foi nomeado Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, mas enfrentava resistência da nobreza e do clero, que o viam como um homem “sem berço” e de ideias perigosamente modernas.
O destino, porém, lhe daria uma oportunidade ímpar: governar Portugal após uma catástrofe de grande envergadura.
“Enterrem os mortos e cuidem dos vivos”
Quando a terra parou de tremer, Lisboa era um cenário apocalíptico. O rei D. José, em choque, refugiou-se em tendas montadas em Belém. A cidade ardia, e milhares de corpos jaziam sob os escombros.
Foi então que Carvalho e Melo assumiu o comando da crise.
Com voz firme e raciocínio frio, deu ordens diretas: enterrar os mortos, socorrer os feridos e evitar saques.
Mandou as tropas controlarem o pânico, organizou o fornecimento de alimentos e criou abrigos provisórios para os desabrigados. Determinou também que se recolhessem dados sobre o desastre — uma medida inédita para a época — enviando questionários a todo o país.
Esses relatórios tornaram-se o primeiro levantamento científico sobre um terremoto na história da humanidade, antecessor do que hoje chamamos de sismologia.
Enquanto boa parte da Europa interpretava o evento como sinal da ira divina, Carvalho e Melo tratava-o como um problema técnico e social. A fé podia consolar, mas apenas a razão reconstruiria.

O nascimento da nova Lisboa
Nos meses seguintes, sob seu comando, ergueu-se o maior plano urbano da Europa do século XVIII.
A antiga Lisboa - medieval e caótica - daria lugar a uma cidade moderna, racional e segura.
O projeto — liderado pelos engenheiros Eugénio dos Santos e Manuel da Maia — introduziu algo revolucionário: edifícios antisísmicos. As construções da Baixa Pombalina passaram a ser erguidas com uma estrutura interna de madeira cruzada, conhecida como “gaiola pombalina”, que distribuía os impactos sísmicos.
As ruas foram abertas em linhas retas e largas, as praças ganharam proporção e harmonia, e a cidade foi redesenhada segundo princípios de planejamento urbano e higiene pública.
Lisboa renasceu das cinzas como símbolo do Iluminismo: ordem, racionalidade e progresso.
O estadista que enfrentou o poder da Igreja e da nobreza
Carvalho e Melo aproveitou a autoridade conquistada na crise para reformar profundamente o país. Modernizou o comércio, limitou o poder da Inquisição, expulsou os jesuítas em 1759, reorganizou o ensino e criou novas manufaturas e companhias de comércio para fortalecer a economia.
O episódio mais dramático de sua política interna foi o chamado Processo dos Távoras — uma violenta repressão à alta nobreza, acusada de conspirar contra o rei. O evento selou o seu domínio político, mas também fez com que o seu nome ficasse com uma imagem de governante autoritário e implacável.
A verdade, no entanto, é que sem a sua mão firme, Portugal poderia ter sucumbido ao caos.
O impacto global da sua gestão
A forma como Carvalho e Melo respondeu ao terramoto impressionou a Europa. Observadores estrangeiros destacaram a sua rapidez e racionalidade.
O filósofo Voltaire, no seu célebre Cândido, usou o terramoto como metáfora para questionar o otimismo religioso do seu tempo.
Já Kant, na Prússia, analisou os relatórios enviados por Lisboa e escreveu três ensaios sobre o fenômeno — um marco no nascimento da sismologia moderna.
Economicamente, as reformas pombalinas ajudaram Portugal a reorganizar o seu comércio atlântico, fortalecendo o controlo sobre o Brasil e introduzindo novas medidas fiscais e administrativas.
Politicamente, o país ganhou uma administração mais centralizada e tecnocrática, embora à custa de tensões com a aristocracia e o clero.
Um homem entre a razão e o poder
Sebastião José de Carvalho e Melo morreu em 1782, já como Marquês de Pombal, figura cercada de admiração e controvérsia. Para uns, foi um déspota iluminado; para outros, o verdadeiro fundador da modernidade portuguesa.
O certo é que, sem ele, Lisboa talvez não tivesse renascido como símbolo de resiliência e racionalidade.
A sua frase mais famosa ecoa até hoje como síntese de sua visão prática e visionária:
“O que a terra destruiu, o homem reconstruirá — mas desta vez com razão.”
Marquês de Pombal em resumo
- Nome completo: Sebastião José de Carvalho e Melo
- Nascimento: 13 de maio de 1699, Lisboa
- Falecimento: 8 de maio de 1782, Pombal
- Formação: Direito pela Universidade de Coimbra
- Carreira diplomática: Embaixador em Londres e Viena
- Principais feitos:
- Gestão da crise do Terramoto de 1755
- Reconstrução da Baixa Pombalina
- Reforma do comércio e do ensino
- Expulsão dos jesuítas (1759)
- Modernização administrativa e militar de Portugal
O legado de Pombal
- Urbanismo moderno: planeamento racional e edifícios antissísmicos inspiram engenheiros até hoje.
- Ciência e Estado: primeiros estudos sistemáticos sobre terremotos no mundo.
- Reforma do ensino: criação de escolas régias e impulso ao pensamento científico.
- Administração centralizada: modelo precursor do Estado moderno português.
- Símbolo de resiliência: o homem que fez da tragédia um laboratório de modernidade.
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