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I - O Dia em que a Terra se Abriu
O Terramoto de Lisboa de 1755 Entre o esplendor e as ruínas: como o Terramoto de 1755 transformou a cidade, a ciência e o pensamento moderno
Por António Cunha
Publicado em 01/11/2025 20:07 • Atualizado 01/11/2025 20:12
História, Filosofia & Religião

 

 

Na manhã do 1º de novembro de 1755, dia de Todos os Santos, Lisboa acordou envolta no perfume das velas e no som dos sinos. Era uma das cidades mais ricas e movimentadas da Europa, o coração de um império que se estendia do Atlântico leste, passando pelo Brasil, alguns locais em África e à Ásia. Em poucos minutos, esse esplendor se converteria em pó, fogo e medo.


Nota do autor — Série Especial sobre o terramoto de 1755 e as suas implicações

Os cinco textos que compõem esta série são o resultado de pesquisas históricas realizadas com o intuito de nos aproximar de um dos períodos mais fascinantes e transformadores de um evento com consequências para a história universal: o Terramoto de 1755 e o legado do Marquês de Pombal.

Apesar do rigor na apuração, é possível que existam imprecisões, lacunas ou interpretações passíveis de debate, fruto da complexidade dos fatos e das diferentes leituras que a História permite.

Se, ao ler, encontrar informações que lhe pareçam incorretas, descontextualizadas ou incompletas, convidamo-lo a entrar em contacto connosco.
A História constrói-se no diálogo — e este projeto nasce justamente do desejo de pensar com espírito crítico e mente aberta.

Porque compreender o passado é o primeiro passo para reconstruir o futuro.


 

A cidade de Lisboa antes da tragédia

Lisboa era então uma cidade de contrastes: ruas estreitas e tortuosas, becos medievais e igrejas barrocas que se amontoavam sobre as colinas do Tejo. O centro da Baixa era um labirinto de vielas sem planejamento, onde comerciantes, marinheiros e nobres conviviam envolvidos no barulho das carruagens e do mau cheiro.
As margens do rio fervilhavam de atividade: o Cais do Sodré e a Ribeira das Naus eram o coração económico da capital. Armazéns cheios de mercadorias vindas de todos os pontos do império (Angola, Brasil, China, India, etc.) sustentavam o luxo dos palácios da cidade alta.

Lisboa era uma potência comercial, mas também era religiosa. Contudo - talvez por ironia do destino - foi justamente no Dia de Todos os Santos, quando as igrejas estavam apinhadas de fieis, que o cataclismo se abateu sobre a toda a região sul de Portugal.

O instante em que a terra ribombou

Pouco depois das 9h40 da manhã, um estrondo profundo ecoou sob o Tejo. Paredes estremeceram, sinos tocaram desordenadamente. O chão abriu-se em várias zonas da cidade, engolindo casas inteiras. O terramoto principal, estimado entre 8,5 e 9 graus na Escala de Richter (Magnitude), durou cerca de seis minutos — talvez uma eternidade para quem o vivenciou.

Testemunhas relataram que o "Rossio ondulava como o mar", e o Convento do Carmo, orgulho gótico da cidade, ruiu com centenas de fiéis no seu interior. As igrejas, cheias por causa da missa, tornaram-se armadilhas de pedra e fogo.

Do rio, os marinheiros viram a cidade se contorcer, e logo depois, as águas do Tejo recuaram subitamente — um presságio terrível. Muitos correram para o porto, acreditando que ali estariam a salvo. Poucos minutos depois, três ondas gigantes, algumas com mais de 10 metros de altura, avançaram sobre o cais, destruindo navios e arrastando pessoas, animais e destroços.

O inferno após o abalo

Enquanto os sobreviventes buscavam abrigo, incêndios se espalharam pela cidade, alimentados sobretudo pelas velas acesas nas igrejas. O incêndio durou cerca de cinco dias, transformando Lisboa num cenário apocalíptico.
Dos cerca de 275 mil habitantes, estima-se que entre 30 e 60 mil tenham morrido — números que ainda hoje variam segundo as fontes.

Os relatos de navios britânicos ancorados ao largo de Lisboa descrevem o mar “fervendo” e uma nuvem de poeira cobrindo o sol. Um capitão francês escreveu:

A cidade desapareceu diante dos nossos olhos. O que restou parecia o fim do mundo.

Mas o impacto não se limitou à capital. O tremor foi sentido em todo o país: igrejas desabaram no Alentejo, pontes ruíram em Coimbra e em Setúbal o mar invadiu as ruas. No Algarve, cidades como Lagos e Portimão foram quase arrasadas pelo tsunami.

Um abalo que percorreu o mundo

As ondas sísmicas atravessaram o Atlântico, atingindo as Antilhas e o Brasil, onde foram observadas variações no nível do mar no Rio de Janeiro e na Baía de Todos os Santos. O tremor também foi sentido no norte da África, devastando a cidade marroquina de Fez.

Cientistas modernos sugerem que o epicentro se localizou a sudoeste do Cabo de São Vicente, numa falha submarina profunda associada à placa tectónica africana, que ainda hoje se move lentamente sob a placa euroasiática.

Esse movimento de compressão entre as placas é o mesmo responsável por outros abalos na região ibérica e, segundo estudos recentes, pode gerar novos grandes sismos no futuro.

 

O nascimento da ciência moderna dos sismos

O terramoto de Lisboa foi o primeiro desastre natural amplamente estudado de forma científica. O Marquês de Pombal, primeiro-ministro português de então, enviou questionários detalhados a todas as regiões do país, perguntando:

  • “Quantos minutos durou o abalo?”
  • “Para que lado caíram as torres das igrejas?”
  • “Ouviu-se ruído subterrâneo antes do tremor?”

Essas respostas deram origem ao primeiro estudo sistemático de sismologia do mundo, abrindo caminho para o entendimento moderno dos terremotos.

Reconstruir para renascer

Com Lisboa em ruínas, o Marquês de Pombal assumiu o comando da reconstrução. A sua frase célebre — “Agora, enterrem os mortos e cuidem dos vivos” — sintetizou a urgência e a racionalidade com que enfrentou o caos.
Sob a sua gestão, nasceu a Baixa Pombalina, o primeiro projeto urbano moderno da Europa, com ruas largas, quadras geométricas e edifícios antisísmicos, baseados em estruturas de madeira cruzada conhecidas hoje pelo nome de “gaiola pombalina”.

Lisboa renasceu racional e simétrica — uma cidade iluminista sobre as cinzas de uma cidade medieval.

As feridas do império

O impacto económico foi devastador. O ouro do Brasil, que sustentava o luxo lisboeta de então, foi direcionado para a reconstrução. O império português, já fragilizado, perdeu parte de sua capacidade de projeção.
Além disso, o terramoto abalou a fé religiosa da Europa. Filósofos como Voltaire questionaram como um Deus justo permitiria tamanha destruição num dia santo. A tragédia inspirou reflexões que marcaram o Iluminismo, alimentando o pensamento científico e a dúvida filosófica.

O legado que ainda treme

Hoje, o terramoto de 1755 é mais do que uma lembrança — é um símbolo da capacidade humana de se reinventar. Ele mudou não apenas Lisboa, mas o modo como o mundo entende a natureza, a ciência e o próprio destino.

Como escreveu o historiador francês Nicolas Baslez:

Lisboa não foi apenas destruída; ela foi reconstruída como metáfora da razão sobre o caos.”


O dia em números

  • Data: 1º de novembro de 1755 (Dia de Todos os Santos)
  • Hora aproximada: 9h40 da manhã
  • Magnitude estimada: 8,5 a 9,0
  • Duração do tremor principal: 5 a 7 minutos
  • Mortos estimados: entre 30 mil e 60 mil
  • Ondas do tsunami: até 10 metros de altura
  • Tempo de incêndio: cerca de 5 dias
  • Epicentro provável: sudoeste do Cabo de São Vicente

Quando Lisboa tremeu, o mundo tremeu junto

  • Marrocos: cidades de Fez e Meknès destruídas, com milhares de mortos.
  • Espanha: forte abalo em Sevilha e Cádis, onde o mar também recuou.
  • Brasil: registo de ondas anômalas nas costas da Bahia e do Rio de Janeiro.
  • Caraíbas / Caribe: maré oscilante observada em Barbados e Martinica.
  • O terramoto foi sentido até na Finlândia, Marrocos e nas Caraíbas.
  • Relatos vindos da Irlanda registam o movimento das águas.
  • Para os filósofos europeus — como Voltaire, Rousseau e Kant — o desastre tornou-se um laboratório moral e científico.
  • O mundo descobria, pela primeira vez, que a natureza podia ser mais poderosa do que a fé.

 

 O inferno em três atos: o sismo, o fogo e o mar

Primeiro ato: o tremor colossal que durou cerca de seis minutos.
As torres desabaram, igrejas ruíram sobre fiéis em missa, o chão abriu-se em fendas.

Segundo ato: o incêndio.
As velas acesas para os mortos e os santos atearam fogo às ruínas. O vento espalhou chamas durante cinco dias.

Terceiro ato: o mar.
Os que fugiram para o porto viram o Tejo recuar — e, minutos depois, um tsunami colossal engolir a cidade baixa.
Navios foram arremessados ao cais como brinquedos. A bordo, marinheiros registraram o horror: “O mar retirou-se e voltou com fúria diabólica”.


INFRAESTRUTURA DO CAOS
O que Lisboa perdeu em 1755:

  • 85% das construções destruídas ou incendiadas
  • 12 mil casas e 35 igrejas arrasadas
  • 60 mil mortos (estimativa)
  • O centro político e econômico do império, em ruínas

O legado científico

  • Marquês de Pombal criou o primeiro questionário sísmico da história.
  • Nasceu a “engenharia antissísmica com as construções da Baixa Pombalina.
  • O evento inspirou o nascimento da sismologia moderna, séculos antes da invenção do sismógrafo.
  • Influenciou o pensamento filosófico europeu, de Voltaire a Kant, sobre o papel da razão e da natureza.


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