O OCASO ROMANO E A REORGANIZAÇÃO DA PENÍNSULA (SÉCULOS V–VI)
Com o desmoronar efetivo da autoridade romana na Península Ibérica no início do século V d.C., abriu-se um período de transição marcado por redistribuições de poder entre vários povos germânicos que haviam penetrado o território. Não se tratou de uma queda súbita, mas de um processo gradual, em que estruturas administrativas romanas continuaram a existir durante décadas, ainda que sob novos protagonistas.
Entre estes, os suevos distinguiram-se ao estabelecer no Noroeste peninsular — correspondente à atual Galiza e Norte de Portugal — o primeiro reino estável pós-romano da Europa Ocidental (411–585). A sua escolha de Bracara Augusta (hoje Braga) como capital demonstra a continuidade do prestígio urbano romano e das suas infraestruturas civis e religiosas.
Ao contrário da imagem popular de invasores bárbaros que impuseram uma nova ordem, os suevos foram, na realidade, uma minoria governante que se inseriu sobre uma população largamente romanizada, adotando gradualmente práticas administrativas e culturais locais. A conversão dos suevos ao catolicismo — concluída durante o reinado de Teodomiro (†570) — desempenhou papel determinante na integração com as elites hispano-romanas e consolidou uma nova identidade híbrida.
No entanto, a ascensão do Reino visigótico de Toledo ao longo do século VI trouxe inevitável tensão. Após décadas de alianças, conflitos e negociações, os visigodos acabariam por absorver o reino suevo em 585, durante o reinado de Leovigildo, integrando o Noroeste na órbita política de Toledo.
O PERÍODO VISIGÓTICO NA REGIÃO (SÉCULOS VI–VIII)
Sob domínio visigótico, a Península Ibérica permaneceu uma sociedade marcadamente rural, com cidades antigas como Braga, Porto, Coimbra e Lisboa a viverem simultaneamente continuidade e declínio. A administração territorial manteve elementos romanos — como a divisão eclesiástica e parte das estruturas de impostos — mas com crescente domínio de uma aristocracia guerreira visigótica que detinha o poder militar e fiscal.
Sociedade e economia
As terras agrícolas tornaram-se a base da riqueza. As elites hispano-romanas e visigóticas competiam pelo controlo destas grandes propriedades, enquanto camponeses livres, colonos e servos trabalhavam as terras sob contratos que podiam combinar obrigações económicas e militares.
A Igreja Católica adquiria crescente influência política e cultural. Os Concílios de Toledo, reunindo bispos e nobres, regulavam não apenas questões religiosas, mas também leis civis, sucessões régias e tributação. Não obstante, o reino visigótico enfrentava instabilidade interna, marcada por sucessões frequentemente contestadas e conflitos entre facções aristocráticas.
Identidade e tensões internas
Embora a cultura romana permanecesse base normativa, a influência germânica introduziu novas formas de organização militar e jurídica. Por outro lado, tensões religiosas persistiam, sobretudo com comunidades judaicas, frequentemente alvo de políticas discriminatórias, que se agravaram no século VII.
A sociedade visigótica, embora rica em diversidade cultural, era frágil politicamente. Essa fragilidade selaria o destino do reino perante um novo poder que chegava do sul.

O ANO 711: A CHEGADA DO ISLÃO E A QUEDA DO REINO VISIGÓTICO
A entrada dos exércitos islâmicos — compostos sobretudo por berberes norte-africanos, liderados pelo general Tariq ibn Ziyad, sob autoridade do governador omíada do Magrebe — marcou uma das mais profundas rupturas da história peninsular.
A Batalha de Guadalete (711), cujo contorno concreto permanece envolto em debate historiográfico, resultou na derrota das forças do rei visigótico Roderico. Quer tenha sido uma batalha campal decisiva ou um episódio amplificado posteriormente, o facto é que o reino visigótico se desagregou rapidamente. Facções internas, rivalidades aristocráticas e o descontentamento de parte das elites facilitaram a incorporação da Península no mundo islâmico.
NASCIMENTO DE AL-ANDALUS: A PENÍNSULA COMO PONTE ENTRE MUNDOS (SÉCULOS VIII–XI)
A conquista muçulmana não foi apenas uma substituição de governantes; inaugurou uma nova civilização no território. O nome al-Andalus designou, desde então, as terras ibéricas sob domínio islâmico. A região que corresponde hoje a Portugal integrou-se de forma significativa neste sistema, sobretudo no sul e centro-norte.
Uma sociedade plural
Durante os períodos omíada e, posteriormente, do Califado de Córdova, al-Andalus tornou-se uma das sociedades mais culturalmente vibrantes da Europa medieval. A coexistência de muçulmanos (árabes e berberes), cristãos moçárabes e judeus originou um ambiente de trocas linguísticas, científicas e comerciais sem paralelo no continente.
Nas principais cidades do atual território português — como Beja, Évora, Lisboa, Coimbra e Silves — floresceram mercados, oficinas artesanais, sistemas de rega avançados (qanats e noras), produção têxtil e cerâmica de grande qualidade.
O sul como centro de inovação agrícola e económica
No Algarve e no Alentejo, os muçulmanos introduziram técnicas agrícolas revolucionárias:
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Novos sistemas hidráulicos,
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Cultivo de citrinos, arroz, açafrão, amendoeiras, figueiras,
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Rotação de culturas adaptadas ao clima mediterrânico.
Estas práticas transformaram a paisagem rural portuguesa, muitas das quais perduraram mesmo após a Reconquista.
O poder político andalusino e os reinos de taifas
Entre os séculos VIII e XI, al-Andalus conheceu várias fases:
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Província dependente de Damasco, após a conquista (711–756)
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Emirado Independente de Córdova (756–929), sob a dinastia omíada refugiada
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Califado de Córdova (929–1031), uma potência mundial
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Fragmentação em Taifas (século XI), com estados independentes em Lisboa, Santarém, Badajoz, Silves, etc.
A Taifa de Badajoz, em especial, controlou grande parte do território português durante longos períodos, competindo por influência com as taifas de Sevilha, Toledo e Granada.
SOCIEDADE, IDENTIDADE E O NASCIMENTO DAS FRONTEIRAS MEDIEVAIS PORTUGUESAS
O mundo islâmico na Península não era um bloco monolítico. Havia tensões constantes entre árabes (minoritários, mas elites políticas), berberes (muito mais numerosos), muçulmanos ibéricos convertidos (muwalladun) e comunidades cristãs.
Ao mesmo tempo, no norte montanhoso da Península, zonas que não ficaram sob controlo muçulmano — Astúrias, depois Leão, Castela e Navarra — tornaram-se núcleos resistentes e germes dos futuros reinos cristãos ibéricos.
É nas zonas entre Douro e Minho que se consolidam pequenas comunidades guerreiras cristãs, ainda romanizadas, que participarão séculos mais tarde na formação do condado Portucalense.
UM LEGADO PROFUNDO E DURADOURO
O período islâmico deixou marcas indeléveis na cultura portuguesa:
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Toponímia (Algarve, Almada, Albufeira, Alcácer, Alfama)
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Léxico agrícola, matemático e científico
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Arquitetura e urbanismo adaptados ao clima mediterrânico
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Técnicas de irrigação
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Sistemas de pesos e medidas
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Gastronomia (amêndoas, arroz, especiarias)
E, acima de tudo, uma integração secular entre povos de origens distintas.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Fortunato de. História de Portugal. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.
BARREIROS, José. Afonso Henriques: A fundação de Portugal. Lisboa: Temas e Debates, 2016.
COELHO, Maria Helena da Cruz. D. Afonso Henriques. Lisboa: Círculo de Leitores, 2007.
MATTOSO, José. Identificação de um País: Ensaio sobre as origens de Portugal, 1096–1325. 3. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.
OLIVEIRA MARQUES, A. H. de. História de Portugal. 13. ed. Lisboa: Palas Editores, 1998.
SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. Lisboa: Publicações Europa-América, 2000.
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