O território que hoje reconhecemos como Portugal é resultado de um vasto mosaico de movimentos humanos, guerras, trocas comerciais, adaptações climáticas e sincretismos culturais. Durante milénios, povos distintos — alguns vindos do interior da Europa, outros do Mediterrâneo ou do Norte de África — estabeleceram ligações, conflitos e alianças que deixaram marcas profundas na paisagem e nas populações.
A história portuguesa, tal como a conhecemos, é a síntese dessas camadas sobrepostas. Para compreendê-la, importa regressar à pré-história e seguir o fio da presença humana, desde as primeiras ocupações até à emergência de uma identidade política própria.
Os Primeiros Habitantes: Da Pré-História à Idade dos Metais
Caçadores-Recoletores do Paleolítico
Os vestígios mais antigos de hominídeos no atual território português remontam a cerca de 400 000 anos, com descobertas como o célebre crânio de Aroeira, na Gruta da Aroeira (Torres Novas), pertencente a Homo heidelbergensis.
Ao longo do Paleolítico Médio e Superior, pequenos grupos de neandertais e, mais tarde, de Homo sapiens deslocaram-se sazonalmente, seguindo rios e migrando em função da fauna disponível. A arte rupestre do Vale do Côa, classificada como Património Mundial, constitui um testemunho excecional da expressão simbólica destes grupos, representando auroques, cavalos e cervídeos.
Factos comprovados: presença neandertal, alternância climática, economia de caça e recoleção.
Hipóteses: funções rituais específicas da arte rupestre; composição precisa dos grupos sociais.
Nota Introdutória à Série “Povos soberanos Lusófonos”
Os textos que compõem esta série são fruto de um extenso trabalho de pesquisa, reunindo informações de diversas fontes — algumas históricas e academicamente reconhecidas, outras baseadas em tradições orais que atravessaram gerações. O nosso objetivo é o de trazer a público uma leitura viva e acessível sobre personagens, acontecimentos e civilizações que marcaram a história, tentando equilibrar o rigor científico com o respeito à memória ancestral.
Sabemos, no entanto, que a História nem sempre é exata: pode conter lacunas, interpretações distintas e até equívocos inevitáveis. É possível que certas passagens despertem sensibilidades ou contrariem visões patrióticas. Por isso, convidamos o leitor a caminhar conosco neste processo de redescoberta — e, sempre que encontrar algo que julgue impreciso, fora de contexto ou inapropriado, que nos diga. O diálogo é parte essencial desta jornada de conhecimento e reconstrução da nossa memória coletiva.
O Neolítico e a Revolução Agrícola
Entre 6 000 e 3 000 a.C., comunidades neolíticas provenientes do Mediterrâneo oriental e dos Balcãs cruzaram o sul da Península Ibérica. Introduziram:
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agricultura (trigo, cevada),
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domesticação animal (ovelhas, cabras),
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cerâmica,
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primeiras aldeias permanentes.
O fenómeno megalítico — dólmenes, antas, menires — especialmente forte no Alentejo, indica rituais funerários e comunitários, sugerindo sociedades organizadas com elites religiosas.
Factos comprovados: transição para a sedentarização; práticas agrícolas; monumentos megalíticos.
Hipóteses: hierarquização social inicial; funções astronómicas detalhadas dos menires.
Idade do Cobre, Bronze e Ferro: Novas Sociedades, Novos Conflitos
Com a metalurgia surgem novas formas de poder. Os povoados fortificados — castros — multiplicam-se no Norte e Centro. A partir do século IX a.C., comunidades célticas provenientes da Europa Central influenciam a economia, a metalurgia, a religião e a organização tribal.

Os Povos Célticos: Entre a Tradição e a Arqueologia
A presença céltica em Portugal não foi resultado de uma invasão única, mas de ondas migratórias e contactos culturais.
Organização Social e Cultura
As sociedades castrejas destacavam-se por:
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fortes comunitários em colinas,
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economia baseada em agricultura, metalurgia e pastorícia,
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culto a divindades associadas à natureza (Nabia, Endovélico),
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produção de artefactos de ferro e bronze.
As tribos identificadas pelos autores clássicos — lusitanos, galaicos, túrdulos, cónios — partilhavam características culturais, embora não constituíssem uma unidade política.
Viriato e a Resistência Lusitana
Entre os séculos II e I a.C., a expansão romana enfrentou forte oposição lusitana. Viriato, figura histórica envolta em lenda, liderou campanhas guerrilheiras eficazes, tornando-se símbolo da resistência indígena.
Factos comprovados: conflitos prolongados com Roma; sucesso inicial das táticas guerrilheiras.
Tradição oral: origem humilde e morte traiçoeira, reforçada por fontes romanas posteriores.
A Romanização: O Mediterrâneo Encontra o Atlântico
Domínio Político e Militar
Roma conquista o território entre 138 e 19 a.C. A integração na província da Lusitânia transformou profundamente a paisagem social e económica:
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fundação de cidades (Olisipo, Bracara Augusta, Pax Julia),
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infraestrutura (estradas, pontes, termas),
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estrutura administrativa e jurídica,
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difusão do latim, antepassado direto do português.
Economia, Comércio e Sociedade
A economia romana dinamizou:
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agricultura de vinho, azeite e cereais,
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mineração (ouro em Três Minas, Panóias; estanho e prata),
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salinas e produção de garum.
A romanização não foi uniforme: nas zonas urbanas a cultura latina impôs-se, enquanto regiões montanhosas mantiveram traços indígenas.
Considerações
A história dos povos que habitaram Portugal é marcada por encontros, conflitos e fusões. Nenhum grupo permaneceu isolado: cada onda migratória trouxe novas tecnologias, crenças e formas de organização. A identidade portuguesa — plural, atlântica e mediterrânica — resultou precisamente da intersecção de todas estas camadas.
Referências Bibliográficas
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MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993–2005.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O Crepúsculo das Monarquias. Lisboa: ICS, 2013.
PEREIRA, Telmo; PAVIA, Luís. “The Aroeira 3 Skull and the Middle Pleistocene Record of Iberia”. Journal of Human Evolution, 2020.
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THOMAZ, Luís Filipe. A Formação do Portugal Moderno. Lisboa: Temas e Debates, 2018.
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