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XVI - Quando a Terra se Moveu em Portugal
Explora-se a evolução geológica do território português desde os seus primórdios, há mais de 600 milhões de anos, até à atual configuração. Analisa-se o papel das placas tectónicas, a formação das rochas e relevos, a evolução da flora e fauna e a riqueza dos recursos naturais, destacando-se como estes fatores influenciaram decisivamente a pré-história, a história humana e o desenvolvimento económico
Por António Cunha
Publicado em 03/12/2025 09:30
LUSOFONIA: História e Personagens

Muito antes de existir qualquer povoamento humano, o território que viria a ser Portugal já era palco de movimentos colossais: mares que avançavam e recuavam, montanhas esmagadas pela força das placas tectónicas, florestas tropicais que surgiam e desapareciam, desertos que deixavam cicatrizes de areia transformadas em rocha. A história de Portugal é, primeiro que tudo, a história da Terra.

A geologia não apenas esculpiu o que hoje vemos — serras, planícies, rios, estuários — como definiu solos férteis e regiões ricas em minérios, influenciou padrões de povoamento e condicionou, ao longo dos séculos, estratégias económicas, alianças e conflitos.


A Longa Pré-História da Terra Portuguesa

O Terreno Cadomiano: As Origens (600–540 milhões de anos)

O embrião do território português forma-se durante a orogenia Cadomiana, no supercontinente Gondwana, a sul do planeta.
Facto científico: rochas muito antigas presentes na região de Évora, Ossa-Morena e Algarve provam esta origem.
Hipótese: a extensão do território original nestes períodos é incerta, dada a erosão e subducções múltiplas.


Nota Introdutória à Série “Povos soberanos Lusófonos

Os textos que compõem esta série são fruto de um extenso trabalho de pesquisa, reunindo informações de diversas fontes — algumas históricas e academicamente reconhecidas, outras baseadas em tradições orais que atravessaram gerações. O nosso objetivo é o de trazer a público uma leitura viva e acessível sobre personagens, acontecimentos e civilizações que marcaram a história, tentando equilibrar o rigor científico com o respeito à memória ancestral.

Sabemos, no entanto, que a História nem sempre é exata: pode conter lacunas, interpretações distintas e até equívocos inevitáveis. É possível que certas passagens despertem sensibilidades ou contrariem visões patrióticas. Por isso, convidamos o leitor a caminhar conosco neste processo de redescoberta — e, sempre que encontrar algo que julgue impreciso, fora de contexto ou inapropriado, que nos diga. O diálogo é parte essencial desta jornada de conhecimento e reconstrução da nossa memória coletiva. 


O Fecho do Oceano Reico e a Orogenia Varisca (370–290 milhões de anos)

Durante o Paleozoico, Portugal integra-se no choque titânico entre Gondwana e Laurússia, originando a Cadeia Varisca, cadeia montanhosa comparável ao atual Himalaia.

Consequências:

  • Formação de rochas metamórficas (xistos, gnaisses) e granitos, especialmente no Minho, Trás-os-Montes e Beiras.

  • Criação de alinhamentos montanhosos que ainda hoje marcam o relevo, como Serra da Estrela.

Impacto futuro: estas rochas serviriam de base à mineração pré-romana e romana (ouro, estanho, volfrâmio).


A Abertura do Atlântico (200 milhões de anos – presente)

Com a separação da Pangeia, abre-se o Oceano Atlântico. Portugal, outrora centro de um supercontinente, passa a margem continental ativa e depois passiva.

Fases principais:

  • Triásico–Jurássico: formação de grandes bacias sedimentares (Loulé, Lusitânica, Peniche);

  • Cretácico: mares tropicais cobrem grande parte do país, criando depósitos calcários hoje visíveis em Aires e Candeeiros;

  • Cenozoico: levantamento do maciço Galaico e erosão progressiva que molda o vale do Douro e o Tejo.

Facto científico: fósseis marinhos abundantes comprovam a presença de mares quentes e rasos.
Hipótese: a extensão das linhas de costa mesozoicas é inferida, mas não absoluta.


Sismos, Vulcanismo e Dinâmica Tectónica Recente

Portugal encontra-se na fronteira difusa entre as placas Africana e Euroasiática.

O Terramoto de 1755: Memória Tectónica

O sismo de Lisboa de 1755, seguido de tsunami e incêndios, é um dos mais estudados do mundo.
Facto científico: resultou da falha Azores–Gibraltar.
Tradição oral: relatos sobre ondas gigantes no Tejo e “fogo que vinha do chão” preservam memórias populares.

A Região Atlântica

Os Açores, sobre junção tripla de placas, mostram vulcanismo ativo:

  • Pico, terceira maior montanha atlântica,

  • Furnas e Sete Cidades, vulcões explosivos,

  • Faial e São Jorge, com sismos frequentes.

Madeira, embora menos ativa, é um edifício vulcânico maciço do Miocénico.


A Evolução da Fauna e da Flora

Flora: Da Idade do Gelo às Florestas Atlânticas

Durante as glaciações, a Península Ibérica foi um refúgio climático de espécies vegetais europeias.

Evolução:

  • Paleolítico: pinheiros, zimbros e gramíneas dominavam paisagens frias.

  • Holoceno: clima mais quente favorece carvalhais, azinhais e sobreirais.

  • Período histórico: agricultura humana substitui grande parte da floresta por campos de cultivo.

Facto científico: análises de pólen em turfeiras do Gerês e Serra da Estrela.
Hipótese: presença de pequenas florestas relictuais nas arribas do Douro antes da romanização.


Fauna: Gigantes Perdidos e Sobreviventes

A megafauna pré-histórica incluía:

  • mamutes,

  • rinocerontes lanudos,

  • hipopótamos pigmeus (Açores, em períodos mais remotos),

  • ursos das cavernas.

Com o avanço do Holoceno, espécies mediterrânicas expandiram-se:

  • lobo-ibérico,

  • linces (hoje quase extintos em Portugal),

  • corços, javalis, cabras-monteses.

A costa fornecia recursos fundamentais aos primeiros humanos: mariscos, peixes migratórios e aves marinhas.


Solo, Subsolo e Recursos Naturais

Solos

Portugal apresenta enorme diversidade pedológica:

  • Graníticos: Minho e norte, ácidos mas férteis após correção;

  • Xistosos: Douro e Alentejo, importantes para vinicultura;

  • Calcários: Estremadura e Algarve, solos leves e drenados;

  • Aluviais: Tejo, Sado, Mondego — base cerealífera desde o Neolítico.

Minérios

O subsolo português é rico em:

  • ouro (Trás-os-Montes, Alentejo — explorado pelos romanos),

  • estanho (essencial para o Bronze Atlântico),

  • volfrâmio (estratégico na Segunda Guerra Mundial),

  • cobre e pirites (faixa piritosa ibérica — uma das maiores do mundo).

Impacto histórico: minérios determinaram zonas de povoamento, rotas comerciais e conflitos pelo controlo das minas.


A Influência da Natureza na História Humana

A Pré-História

Cavernas calcárias serviram de habitat aos primeiros Homo sapiens (Lapedo, Escoural).
Rios e estuários moldaram rotas migratórias mesolíticas (Sado, Muge).
Solos férteis favoreceram aldeias neolíticas e megálitos no Alentejo.


Da Antiguidade à Idade Média

  • Os celtas valorizavam minas de estanho e ouro.

  • Os romanos aproveitaram recursos agrícolas e minérios, construindo redes logísticas.

  • Povos islâmicos introduziram novas técnicas agrícolas, transformando o sul português numa zona intensiva de irrigação.


A Configuração do Território

A geologia condicionou fronteiras:

  • serras como Marão, Estrela e Gerês marcaram limites naturais;

  • grandes estuários (Tejo, Douro, Sado) tornaram-se centros urbanos e estratégicos;

  • a costa atlântica impulsionou navegação e pesca, definindo a identidade marítima portuguesa.


Recursos Estratégicos e Importância Atual

Portugal possui:

  • lítio (um dos maiores potenciais europeus),

  • cortiça (líder mundial),

  • materiais de construção (calcário ornamental, mármore do Alentejo),

  • energia renovável (potencial hidroelétrico e eólico),

  • mar português, uma das maiores ZEE da UE.

Estes recursos sustentam setores tecnológicos, energéticos e industriais, influenciando a diplomacia económica do país.


Mistérios e Questões em Aberto

  • A possibilidade de antigas ilhas hoje submersas ao largo do Algarve;

  • A relação entre falhas profundas e fontes termais (Monfortinho, Gerês);

  • A hipótese de megatsunamis pré-históricos no Atlântico;

  • Espécies vegetais relictuais desconhecidas preservadas em vales inacessíveis.

A geologia portuguesa continua ativa, e o que sabemos representa apenas parte da história profunda do território.


Considerações

A identidade de Portugal está profundamente enraizada na sua história natural. A geologia criou o território; a flora e fauna moldaram o ambiente; os recursos naturais orientaram sociedades humanas, economias e estratégias políticas. Olhar para esta longa duração é compreender que a história de Portugal começa milhares de milhões de anos antes dos seus primeiros povos — começa na própria Terra.


Referências Bibliográficas

 

ALMEIDA, Fernando de. Geologia de Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
ARAÚJO, Artur; RAMALHO, Mário. Evolução Geológica da Península Ibérica. Porto: Universidade do Porto, 2015.
BRANDÃO, João; QUEIROZ, Paulo. Atlas do Ambiente Natural de Portugal. Lisboa: Lidel, 2020.
CARVALHO, António M. G. Geologia Estrutural de Portugal. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
FREITAS, Maria Helena; MOITA, Paulo. Flora e Vegetação de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2010.
MATEUS, Octávio. “Paleontologia e Dinossauros de Portugal”. Communicações Geológicas, v. 101, 2014.
OLIVEIRA, Jorge et al. O Tempo Geológico em Portugal. Lisboa: Sociedade Geológica de Portugal, 2018.
SANTOS, António José. Rochas e Minerais de Portugal. Lisboa: INETI, 2007.
ZÊZERE, José Luís. Riscos Geológicos em Portugal. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2014.

 


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