Muito antes de existir qualquer povoamento humano, o território que viria a ser Portugal já era palco de movimentos colossais: mares que avançavam e recuavam, montanhas esmagadas pela força das placas tectónicas, florestas tropicais que surgiam e desapareciam, desertos que deixavam cicatrizes de areia transformadas em rocha. A história de Portugal é, primeiro que tudo, a história da Terra.
A geologia não apenas esculpiu o que hoje vemos — serras, planícies, rios, estuários — como definiu solos férteis e regiões ricas em minérios, influenciou padrões de povoamento e condicionou, ao longo dos séculos, estratégias económicas, alianças e conflitos.

A Longa Pré-História da Terra Portuguesa
O Terreno Cadomiano: As Origens (600–540 milhões de anos)
O embrião do território português forma-se durante a orogenia Cadomiana, no supercontinente Gondwana, a sul do planeta.
Facto científico: rochas muito antigas presentes na região de Évora, Ossa-Morena e Algarve provam esta origem.
Hipótese: a extensão do território original nestes períodos é incerta, dada a erosão e subducções múltiplas.
Nota Introdutória à Série “Povos soberanos Lusófonos”
Os textos que compõem esta série são fruto de um extenso trabalho de pesquisa, reunindo informações de diversas fontes — algumas históricas e academicamente reconhecidas, outras baseadas em tradições orais que atravessaram gerações. O nosso objetivo é o de trazer a público uma leitura viva e acessível sobre personagens, acontecimentos e civilizações que marcaram a história, tentando equilibrar o rigor científico com o respeito à memória ancestral.
Sabemos, no entanto, que a História nem sempre é exata: pode conter lacunas, interpretações distintas e até equívocos inevitáveis. É possível que certas passagens despertem sensibilidades ou contrariem visões patrióticas. Por isso, convidamos o leitor a caminhar conosco neste processo de redescoberta — e, sempre que encontrar algo que julgue impreciso, fora de contexto ou inapropriado, que nos diga. O diálogo é parte essencial desta jornada de conhecimento e reconstrução da nossa memória coletiva.
O Fecho do Oceano Reico e a Orogenia Varisca (370–290 milhões de anos)
Durante o Paleozoico, Portugal integra-se no choque titânico entre Gondwana e Laurússia, originando a Cadeia Varisca, cadeia montanhosa comparável ao atual Himalaia.
Consequências:
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Formação de rochas metamórficas (xistos, gnaisses) e granitos, especialmente no Minho, Trás-os-Montes e Beiras.
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Criação de alinhamentos montanhosos que ainda hoje marcam o relevo, como Serra da Estrela.
Impacto futuro: estas rochas serviriam de base à mineração pré-romana e romana (ouro, estanho, volfrâmio).

A Abertura do Atlântico (200 milhões de anos – presente)
Com a separação da Pangeia, abre-se o Oceano Atlântico. Portugal, outrora centro de um supercontinente, passa a margem continental ativa e depois passiva.
Fases principais:
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Triásico–Jurássico: formação de grandes bacias sedimentares (Loulé, Lusitânica, Peniche);
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Cretácico: mares tropicais cobrem grande parte do país, criando depósitos calcários hoje visíveis em Aires e Candeeiros;
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Cenozoico: levantamento do maciço Galaico e erosão progressiva que molda o vale do Douro e o Tejo.
Facto científico: fósseis marinhos abundantes comprovam a presença de mares quentes e rasos.
Hipótese: a extensão das linhas de costa mesozoicas é inferida, mas não absoluta.
Sismos, Vulcanismo e Dinâmica Tectónica Recente
Portugal encontra-se na fronteira difusa entre as placas Africana e Euroasiática.
O Terramoto de 1755: Memória Tectónica
O sismo de Lisboa de 1755, seguido de tsunami e incêndios, é um dos mais estudados do mundo.
Facto científico: resultou da falha Azores–Gibraltar.
Tradição oral: relatos sobre ondas gigantes no Tejo e “fogo que vinha do chão” preservam memórias populares.
A Região Atlântica
Os Açores, sobre junção tripla de placas, mostram vulcanismo ativo:
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Pico, terceira maior montanha atlântica,
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Furnas e Sete Cidades, vulcões explosivos,
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Faial e São Jorge, com sismos frequentes.
Madeira, embora menos ativa, é um edifício vulcânico maciço do Miocénico.

A Evolução da Fauna e da Flora
Flora: Da Idade do Gelo às Florestas Atlânticas
Durante as glaciações, a Península Ibérica foi um refúgio climático de espécies vegetais europeias.
Evolução:
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Paleolítico: pinheiros, zimbros e gramíneas dominavam paisagens frias.
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Holoceno: clima mais quente favorece carvalhais, azinhais e sobreirais.
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Período histórico: agricultura humana substitui grande parte da floresta por campos de cultivo.
Facto científico: análises de pólen em turfeiras do Gerês e Serra da Estrela.
Hipótese: presença de pequenas florestas relictuais nas arribas do Douro antes da romanização.
Fauna: Gigantes Perdidos e Sobreviventes
A megafauna pré-histórica incluía:
Com o avanço do Holoceno, espécies mediterrânicas expandiram-se:
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lobo-ibérico,
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linces (hoje quase extintos em Portugal),
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corços, javalis, cabras-monteses.
A costa fornecia recursos fundamentais aos primeiros humanos: mariscos, peixes migratórios e aves marinhas.
Solo, Subsolo e Recursos Naturais
Solos
Portugal apresenta enorme diversidade pedológica:
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Graníticos: Minho e norte, ácidos mas férteis após correção;
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Xistosos: Douro e Alentejo, importantes para vinicultura;
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Calcários: Estremadura e Algarve, solos leves e drenados;
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Aluviais: Tejo, Sado, Mondego — base cerealífera desde o Neolítico.
Minérios
O subsolo português é rico em:
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ouro (Trás-os-Montes, Alentejo — explorado pelos romanos),
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estanho (essencial para o Bronze Atlântico),
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volfrâmio (estratégico na Segunda Guerra Mundial),
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cobre e pirites (faixa piritosa ibérica — uma das maiores do mundo).
Impacto histórico: minérios determinaram zonas de povoamento, rotas comerciais e conflitos pelo controlo das minas.
A Influência da Natureza na História Humana
A Pré-História
Cavernas calcárias serviram de habitat aos primeiros Homo sapiens (Lapedo, Escoural).
Rios e estuários moldaram rotas migratórias mesolíticas (Sado, Muge).
Solos férteis favoreceram aldeias neolíticas e megálitos no Alentejo.
Da Antiguidade à Idade Média
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Os celtas valorizavam minas de estanho e ouro.
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Os romanos aproveitaram recursos agrícolas e minérios, construindo redes logísticas.
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Povos islâmicos introduziram novas técnicas agrícolas, transformando o sul português numa zona intensiva de irrigação.
A Configuração do Território
A geologia condicionou fronteiras:
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serras como Marão, Estrela e Gerês marcaram limites naturais;
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grandes estuários (Tejo, Douro, Sado) tornaram-se centros urbanos e estratégicos;
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a costa atlântica impulsionou navegação e pesca, definindo a identidade marítima portuguesa.

Recursos Estratégicos e Importância Atual
Portugal possui:
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lítio (um dos maiores potenciais europeus),
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cortiça (líder mundial),
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materiais de construção (calcário ornamental, mármore do Alentejo),
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energia renovável (potencial hidroelétrico e eólico),
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mar português, uma das maiores ZEE da UE.
Estes recursos sustentam setores tecnológicos, energéticos e industriais, influenciando a diplomacia económica do país.
Mistérios e Questões em Aberto
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A possibilidade de antigas ilhas hoje submersas ao largo do Algarve;
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A relação entre falhas profundas e fontes termais (Monfortinho, Gerês);
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A hipótese de megatsunamis pré-históricos no Atlântico;
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Espécies vegetais relictuais desconhecidas preservadas em vales inacessíveis.
A geologia portuguesa continua ativa, e o que sabemos representa apenas parte da história profunda do território.
Considerações
A identidade de Portugal está profundamente enraizada na sua história natural. A geologia criou o território; a flora e fauna moldaram o ambiente; os recursos naturais orientaram sociedades humanas, economias e estratégias políticas. Olhar para esta longa duração é compreender que a história de Portugal começa milhares de milhões de anos antes dos seus primeiros povos — começa na própria Terra.
Referências Bibliográficas
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CARVALHO, António M. G. Geologia Estrutural de Portugal. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
FREITAS, Maria Helena; MOITA, Paulo. Flora e Vegetação de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2010.
MATEUS, Octávio. “Paleontologia e Dinossauros de Portugal”. Communicações Geológicas, v. 101, 2014.
OLIVEIRA, Jorge et al. O Tempo Geológico em Portugal. Lisboa: Sociedade Geológica de Portugal, 2018.
SANTOS, António José. Rochas e Minerais de Portugal. Lisboa: INETI, 2007.
ZÊZERE, José Luís. Riscos Geológicos em Portugal. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2014.
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