A história de Angola não começa com fronteiras políticas nem com reinos — começa nas profundezas da Terra. Milhões de anos antes da presença humana, o que hoje conhecemos como território angolano era palco de eventos geológicos colossais, responsáveis por moldar montanhas, rios e vales, e por armazenar, no seu subsolo, recursos naturais que são importantes para a economia de Angola.
Este texto propõe uma viagem pelas origens geológicas e biológicas de Angola, pelas suas transformações tectónicas, pelos recursos que brotam da sua terra, e pelas populações humanas que nela se estabeleceram e evoluíram até formar as sociedades modernas. Tentamos ao máximo que narrativa distinguisse o que é ciência comprovada, hipótese científica ou tradição oral, valorizando tanto o conhecimento académico como o legado cultural das populações que há séculos habitam o território angolano.
Nota Introdutória à Série “Povos soberanos de África”
Os textos que compõem esta série são fruto de um extenso trabalho de pesquisa, reunindo informações de diversas fontes — algumas históricas e academicamente reconhecidas, outras baseadas em tradições orais que atravessaram gerações. O nosso objetivo é o de trazer a público uma leitura viva e acessível sobre personagens, acontecimentos e civilizações africanas que marcaram a história, tentando equilibrar o rigor científico com o respeito à memória ancestral.
Sabemos, no entanto, que a História nem sempre é exata: pode conter lacunas, interpretações distintas e até equívocos inevitáveis. É possível que certas passagens despertem sensibilidades ou contrariem visões patrióticas. Por isso, convidamos o leitor a caminhar conosco neste processo de redescoberta — e, sempre que encontrar algo que julgue impreciso, fora de contexto ou inapropriado, que nos diga. O diálogo é parte essencial desta jornada de conhecimento e reconstrução da nossa memória coletiva.

As origens geológicas de Angola
A geologia angolana é uma das mais antigas e diversificadas de África. Estudos geocientíficos realizados pelo Serviço Geológico de Angola e pelo US Geological Survey (2014) mostram que o subsolo do país contém formações rochosas que datam de há mais de 2,5 mil milhões de anos, pertencentes ao Cratão do Congo [antiga aérea tectonica da crosta continental na África Central, formada entre 3,6 e 2 mil milhões de anos atrás. Estende-se por grande parte da República Democrática do Congo, Sudão, Angola, Gabão, Camarões e República Centro-Africana], uma das porções mais estáveis da crosta terrestre africana.
Durante o Pré-Câmbrico [período mais longo da história da Terra, que se estende da formação do planeta há cerca de 4,5 mil milhões de anos até ao início do período Câmbrico, há cerca de 540 milhões de anos], Angola foi parte de um vasto bloco continental que integrava o antigo supercontinente Gondwana. Com o fracionamento desse bloco, há cerca de 180 milhões de anos, formaram-se as estruturas tectónicas que ainda hoje definem o território, como o Planalto Central, a Faixa de Damaraland, e as bacias sedimentares do Kwanza e do Congo.
Essas formações geológicas deram origem a solos ricos em minerais — diamantes, ferro, cobre, manganês, ouro, fosfatos e petróleo —, tornando Angola uma das regiões africanas com maior diversidade geológica. A exploração de diamantes na Lunda e petróleo em Cabinda são exemplos contemporâneos de como eventos geológicos de milhões de anos sustentam hoje a economia angolana.

Tectónica e evolução da paisagem
Do ponto de vista tectónico, Angola é caracterizada pela estabilidade relativa do seu cráton, mas com margens que registam intensa atividade de deformação ao longo da história.
O rifte do Kwanza, resultado do afastamento entre África e América do Sul durante o Cretácico, originou extensas bacias sedimentares, hoje responsáveis por grande parte das reservas petrolíferas.
O Planalto Central, com altitudes entre 1.000 e 2.600 metros, é um testemunho dessa evolução lenta. Dele nascem os principais rios angolanos — o Cunene, o Kwanza, o Zambeze e o Kubango —, que alimentam ecossistemas ricos e diversificados.
Cientificamente comprovado, esse conjunto de processos tectónicos e erosivos explica não apenas a riqueza mineral, mas também a variedade de solos e climas, fundamentais para a diversidade biológica e para o desenvolvimento agrícola observado desde tempos pré-históricos.

Fauna, flora e ecossistemas
Angola é um mosaico ecológico. Do deserto do Namibe às florestas húmidas do Maiombe, a sua biodiversidade reflete milhões de anos de adaptação.
Os cientistas identificam mais de 6.000 espécies de plantas, 275 de mamíferos e 915 de aves (IUCN, 2022). Algumas dessas espécies são endêmicas, como o palanca negra gigante (Hippotragus niger variani) — um símbolo nacional e um exemplo vivo da evolução isolada de populações ao longo do tempo.
Segundo estudos paleoecológicos (Huntley, 2017), a diversidade biológica atual é herdeira direta das oscilações climáticas do Pleistoceno [época geológica que ocorreu entre cerca de 2,6 milhões e 11.700 anos atrás, caracterizada pela "Era do Gelo" devido às repetidas glaciações], quando secas e períodos úmidos alternaram-se, moldando paisagens e forçando migrações de fauna e flora.
A tradição oral angolana conserva lendas sobre animais míticos e árvores sagradas, como o imbondeiro (baobá), visto como ligação entre o céu e a terra — um símbolo espiritual que a ciência identifica como uma das espécies mais antigas e resilientes do continente.
As primeiras populações humanas
Do ponto de vista antropológico, Angola é um território-chave para o estudo da evolução humana.
As descobertas arqueológicas no Vale do Luanda, em Benguela e Tchitundo-Hulo, revelam ocupações humanas com mais de 50 mil anos, atribuídas a grupos de caçadores-coletores do Paleolítico. As pinturas rupestres de Tchitundo-Hulo Mulume, em Namibe, retratam figuras humanas, animais e símbolos geométricos — testemunhos culturais que se situam entre a arte simbólica e ritualística e a interpretação científica das primeiras expressões cognitivas humanas.
Por volta de 2.000 a.C., inicia-se a grande migração bantu, um dos fenômenos demográficos mais importantes da história africana.
Os povos bantu migraram da região dos Grandes Lagos em direção ao sul e ao oeste, trazendo consigo novas tecnologias — metalurgia do ferro, agricultura sedentária, criação de gado e organização política complexa.
Essas populações fundiram-se com grupos locais e deram origem a etnias que formam hoje a base populacional angolana: ovimbundos, kimbundos, bakongos, chokwes, entre outras.
Do ponto de vista comparativo, enquanto a Europa atravessava o período de transição entre a Idade do Bronze e do Ferro, em Angola já se observava a adoção da metalurgia e a formação de reinos estruturados, como Ndongo e Kongo, que mais tarde seriam cruciais no contacto com os europeus.
Desenvolvimento social, econômico e tecnológico
As sociedades bantu desenvolveram sistemas sociais hierarquizados e redes de comércio regional. O ferro, produzido localmente, era trocado por sal, marfim, panos de ráfia e produtos agrícolas.
A agricultura, baseada no milho-miúdo, mandioca e feijão, sustentava economias locais e possibilitava o surgimento de centros urbanos.
No campo político e militar, os reinos africanos, especialmente o Kongo, o Ndongo e o Lunda, mostravam estruturas de governação que combinavam espiritualidade, diplomacia e guerra — algo que os exploradores europeus do século XV reconheceram com respeito e, mais tarde, com temor.
Com a chegada dos portugueses em 1483, iniciaram-se trocas comerciais e culturais intensas, muitas delas documentadas e outras transmitidas por tradição oral.
A ciência moderna confirma que os contactos iniciais foram pacíficos e mutuamente vantajosos, mas degeneraram em dominação colonial e tráfico de escravos — um processo que marcou profundamente o desenvolvimento econômico e social do território até à contemporaneidade.

Angola moderna: entre a geologia e o futuro
Hoje, Angola continua a ser um território onde a geologia determina o destino econômico. O petróleo representa mais de 90% das exportações, e os diamantes, ferro e cobre mantêm relevância global.
Entretanto, há um movimento crescente em prol da diversificação econômica sustentável, com foco em agricultura regenerativa, energia renovável e turismo ecológico.
Do ponto de vista científico, investigações recentes (Geological Society of Angola, 2023) buscam compreender melhor as reservas subterrâneas e as ameaças sísmicas e ambientais associadas à exploração mineral.
Ao mesmo tempo, antropólogos e historiadores continuam a explorar os vestígios do passado humano, ligando as primeiras populações aos desafios contemporâneos da identidade nacional.
Conclusão
A história geológica e humana de Angola é um testemunho de resistência e transformação.
Das rochas formadas há bilhões de anos às cidades modernas que hoje florescem sobre elas, tudo neste território fala de continuidade e adaptação.
Ciência, mito e tradição entrelaçam-se na narrativa de um país que nasceu do fogo da Terra e evoluiu sob o ritmo das suas gentes — uma Angola que, ao compreender o seu passado profundo, projeta com mais clareza o seu futuro.
Referências Bibliográficas
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GEOLOGICAL SOCIETY OF ANGOLA. Atlas Geológico de Angola. Luanda: Ministério dos Recursos Minerais, 2023.
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HUNTLEY, Brian. Biodiversity of Angola: Science and Conservation. Springer, 2017.
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IUCN. Red List of Threatened Species: Angola Biodiversity Overview. Gland: IUCN, 2022.
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NEWITT, Malyn. A History of Angola. Oxford University Press, 2019.
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US GEOLOGICAL SURVEY (USGS). Mineral Resources of Angola: An Overview. Washington, 2014.
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VOIGT, Andreas. Rock Art of Angola: The Tchitundo-Hulo Complex. Windhoek: Namib Studies, 2011.
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