Para ler antes da leitura do artigo
Falar sobre religião é, por natureza, delicado. As crenças religiosas estão entre os pilares mais profundos da identidade humana — e por isso, este tema pode gerar polémica, discordância e até mal-entendidos. Mas é precisamente por isso que ele deve ser abordado com seriedade, respeito e rigor.
Esta série de artigos foi construída com base em fontes académicas e históricas reconhecidas, procurando evitar ao máximo opiniões pessoais. Ainda assim, reconhecemos que interpretações podem variar, e eventuais incorreções podem surgir. Por isso, convidamos o leitor a participar: se identificar algo que mereça correção, por favor indique claramente onde, quando e porquê.
Mais do que uma análise teológica, esta reportagem pretende ser um exercício de formação de cultura geral. É dirigida ao público em geral, com linguagem que pretendemos seja acessível, e tem como objetivo estimular a reflexão crítica sobre o papel das religiões — enquanto fenómenos filosóficos, sociais e espirituais — na evolução da humanidade.
Num mundo cada vez mais plural, é essencial aprendermos a respeitar as diferenças religiosas e culturais. Não precisamos concordar com tudo, mas precisamos compreender. E compreender é o primeiro passo para conviver em paz.
O judaísmo é uma das mais antigas tradições religiosas monoteístas da humanidade. Com raízes que remontam a mais de quatro mil anos, ele não apenas influenciou profundamente o cristianismo e o islamismo, mas também moldou a cultura, a ética e a filosofia ocidental. No centro dessa tradição está a Torá, um conjunto de textos que narra a origem do mundo, a história do povo de Israel e os fundamentos da lei divina. Neste, iremos abordar as origens históricas e culturais do judaísmo, os textos que compõem a Torá, os povos e personagens envolvidos em sua criação e evolução, e as principais versões que marcaram sua transmissão.
1. As Origens Históricas do Judaísmo
O judaísmo surgiu na região de Canaã, entre os rios Jordão e Eufrates, por volta de 2000 a.C., em meio a um mosaico de culturas semitas. A tradição judaica remonta a Abraão, considerado o patriarca fundador, que teria feito uma aliança com Deus (YHWH), prometendo fidelidade em troca da proteção divina e da terra prometida.
A religião se desenvolveu rodeada de grandes influências de grandes civilizações:
- Mesopotâmia: onde Abraão teria vivido antes de migrar para Canaã.
- Egito: cenário do Êxodo, um dos mitos fundacionais do povo judeu.
- Babilônia: local do exílio que levou à consolidação textual da fé judaica.
- Pérsia: permitiu o retorno dos judeus e a reconstrução do Templo de Jerusalém.
2. A Torá: Núcleo da Tradição Judaica
A Torá é composta por cinco livros:
- Gênesis (Bereshit) – Criação do mundo e histórias dos patriarcas.
- Êxodo (Shemot) – Libertação do Egito e entrega da lei no Sinai.
- Levítico (Vayikra) – Leis rituais e sacerdotais.
- Números (Bemidbar) – Peregrinação no deserto.
- Deuteronômio (Devarim) – Reafirmação da aliança e das leis.
Esses textos foram compilados entre os séculos X e V a.C., com base em tradições orais e documentos escritos. A Torá é parte do Tanakh, a Bíblia Hebraica, que inclui também os Nevi’im (Profetas) e os Ketuvim (Escritos).
3. Povos e Culturas Envolvidos na Formação da Torá
A Torá é resultado de uma síntese cultural e religiosa:
- Israelitas e Judaitas: tribos semitas que formaram os reinos de Israel (norte) e Judá (sul).
- Cananeus: influenciaram práticas religiosas e mitológicas.
- Egípcios e Babilônios: as suas mitologias e códigos legais influenciaram as narrativas bíblicas.
- Persas: após o exílio babilônico, os judeus sob domínio persa, reorganizaram a sua fé e textos.
4. Personagens-Chave na Criação e Compilação
- Moisés: considerado o principal profeta e legislador, mediador da revelação divina.
- Esdras: escriba e sacerdote que liderou a reforma religiosa e a compilação da Torá após o exílio.
- Rei Josias: promoveu reformas religiosas que influenciaram a redação do Deuteronômio.
- Sacerdotes do Segundo Templo: responsáveis pela preservação e edição dos textos sagrados.
5. Outros Escritos Incorporados e Relacionados
Além da Torá, o judaísmo inclui:
- Tanakh completo: com os Profetas (Isaías, Jeremias, Ezequiel) e Escritos (Salmos, Provérbios, Jó).
- Talmud: comentários rabínicos sobre a Torá, divididos em Mishná (lei oral) e Guemará (discussões).
- Midrash: interpretações alegóricas e homiléticas dos textos bíblicos.
- Textos apócrifos: como os livros de Enoque e Jubileus, não canonizados mas influentes em certos círculos.
6. Versões e Transmissão da Torá
A Torá foi preservada com extremo rigor pelos massoretas, estudiosos judeus medievais que desenvolveram um sistema de pontuação vocálica para garantir a fidelidade da leitura.
Principais versões:
- Texto Massorético: versão hebraica tradicional, base do judaísmo moderno.
- Torá Samaritana: preservada pelos samaritanos, com diferenças textuais.
- Septuaginta: tradução grega feita por judeus helenistas em Alexandria (século III a.C.).
- Traduções modernas: como a Torá Judaica Completa, adaptada para o público contemporâneo.
O Judaísmo como Guardião da Palavra
O judaísmo é uma tradição que sobreviveu a exílios, perseguições e dispersões, mantendo viva uma identidade baseada na memória, na lei e na espiritualidade. A Torá é mais do que um texto religioso — é um documento histórico, jurídico e filosófico, que moldou não apenas o judaísmo, mas também o cristianismo e o islamismo.
Compreender as suas origens é essencial para entender como a humanidade construiu as suas ideias de justiça, divindade e comunidade — e como a palavra escrita pode ser um instrumento de resistência, sabedoria e transformação.
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