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A Janela de Overton: como a engenharia social molda pensamentos e comportamentos
Por António Cunha
Publicado em 30/09/2025 13:46
Biblioteca do Conhecimento

 

De ideias impensáveis a consensos sociais: a linha tênue entre o debate democrático e a manipulação de massas

A sociedade muda, e com ela, mudam também os limites do aceitável. O que ontem era tabu, hoje pode ser discutido abertamente — e, em alguns casos, até defendido como política pública. Esse fenômeno tem nome: Janela de Overton, conceito criado pelo cientista político norte-americano Joseph Overton na década de 1990.

A “janela” representa a faixa de ideias socialmente aceitáveis em determinado momento histórico. O papel da engenharia social — entendida como o conjunto de estratégias de manipulação de comportamentos e perceções — é justamente deslocar essa janela, ampliando ou restringindo os limites do que se considera moral, legal ou até desejável.

Do inimaginável ao cotidiano

Ao longo da história, a manipulação da opinião pública mostrou a sua força. Um dos exemplos mais sombrios ocorreu na Alemanha durante o nazismo, quando a propaganda de Joseph Goebbels conseguiu transformar ideias de ódio em políticas de Estado, deslocando a “janela” até legitimar perseguições e genocídios.

Décadas depois, em outro cenário, campanhas de marketing e lobby conseguiram reverter a visão pública sobre o cigarro. Se, nos anos 1950, fumar era símbolo de status e liberdade, a divulgação de pesquisas médicas e campanhas de saúde conseguiram restringir a sua aceitação social, tornando-o hoje proibido em locais fechados em grande parte do mundo.

Mais recentemente, escândalos como o da Cambridge Analytica, revelado em 2018, mostraram como a coleta de dados pessoais e o uso de algoritmos podem manipular preferências políticas e até influenciar eleições, movendo silenciosamente a percepção pública sem que a maioria perceba estar sendo direcionada.

O poder invisível da narrativa

A engenharia social atua de forma sutil, quase invisível. O uso estratégico da linguagem é um dos principais mecanismos. Palavras como “reforma”, “ajuste” ou “flexibilização” são frequentemente utilizadas para suavizar medidas impopulares.

Mudando a forma como se nomeia uma ideia, muda-se também a sua aceitação.

Outro exemplo está no debate sobre drogas. O que antes era visto apenas como caso de polícia, hoje é discutido também sob o prisma da saúde pública, da economia e dos direitos humanos. Essa mudança não aconteceu por acaso: foi fruto de anos de campanhas, estudos acadêmicos, depoimentos de especialistas e experiências em países que legalizaram determinadas substâncias.

Entre a reflexão e a manipulação

O desafio da sociedade contemporânea é distinguir quando estamos diante de uma evolução legítima do pensamento coletivo ou de uma manipulação intencional. Redes sociais, memes, influenciadores digitais e fake news têm acelerado a capacidade de deslocar a Janela de Overton, tornando mais difícil perceber se as nossas opiniões são fruto de convicção própria ou do bombardeio narrativo a que estamos sujeitos.

O preço da distração

A história mostra que ignorar os mecanismos da engenharia social pode custar caro. Se, no passado, regimes autoritários ascenderam graças à manipulação do imaginário coletivo, hoje a ameaça se manifesta em novas formas: na desinformação, no extremismo digital e na polarização social.

Mais do que nunca, compreender o conceito da Janela de Overton é vital para preservar o senso crítico. Afinal, quando a sociedade deixa de questionar como e por que certas ideias se tornam aceitáveis, abre-se espaço para que qualquer narrativa — mesmo a mais perigosa — encontre terreno fértil.


Linha do tempo da manipulação social

  • 1933-1945: Propaganda nazista transforma o ódio em política oficial na Alemanha.
  • Décadas de 1950-70: Indústria do tabaco patrocina estudos e campanhas para normalizar o cigarro.
  • Década de 1990: Conceito da Janela de Overton é sistematizado por Joseph Overton.
  • 2018: Escândalo Cambridge Analytica expõe como dados digitais são usados para influenciar eleições.
  • Atualidade: Redes sociais aceleram a manipulação de crenças e ampliam a polarização política.

Fake news, manipulação digital e confiança nos mass média

  • 70% dos brasileiros afirmam já ter acreditado em uma notícia falsa antes de descobrir que era fake, segundo levantamento do Instituto Locomotiva (2024).
  • 58% da população mundial teme que a inteligência artificial seja usada para manipular eleições, aponta o Edelman Trust Barometer 2025.
  • Mais de 60 países já registraram campanhas de desinformação digitais coordenadas, de acordo com a Oxford Internet Institute.
  • 41% dos jovens entre 18 e 24 anos confiam mais em influenciadores digitais do que em veículos tradicionais de imprensa, segundo pesquisa Reuters Institute (2024).

 

Quando a falta de informação decide o destino dos povos

Desinformação, manipulação e atraso: os riscos de uma sociedade que não valoriza o conhecimento verdadeiro

Se a Janela de Overton explica como ideias transitam do impensável ao aceitável, a qualidade da informação disponível é o combustível que acelera ou trava esse processo. Os povos com baixo acesso a informação verdadeira tornam-se terreno fértil para manipulações em massa — e o preço a pagar vai muito além da política: atinge a economia, a democracia e até a vida cotidiana.

A cegueira coletiva

Na ausência de informação confiável, a sociedade perde o senso crítico. Nesse cenário, narrativas fabricadas ganham status de verdade, e discursos de ódio ou soluções simplistas encontram apoio popular. A história mostra exemplos trágicos:

  • Ruanda, 1994: a propaganda no rádio incitou ao genocídio, levando à morte de cerca de 800 mil pessoas em apenas 100 dias. A manipulação da opinião pública foi a faísca que transformou tensões étnicas em massacre.

  • União Soviética, era Stálin: a ocultação deliberada de dados sobre a fome na Ucrânia (Holodomor) levou milhões à morte, enquanto a narrativa oficial sustentava que tudo caminhava para o “progresso”.

  • Covid-19, 2020-2022: em várias regiões do mundo, a disseminação de fake news sobre vacinas reduziu taxas de imunização e prolongou crises sanitárias e econômicas, custando vidas e atrasando a recuperação de países inteiros.

O impacto no desenvolvimento econômico

Desinformação não é apenas um problema cultural ou político: é também um freio ao crescimento. Povos mal informados tendem a:

  • Rejeitar avanços científicos: desde a vacinação até às novas tecnologias, o medo criado pelas fake news reduz a inovação e limita a competitividade global.

  • Fragilizar instituições: sem confiança na imprensa ou no sistema democrático, a instabilidade política afasta investidores e enfraquece a economia.

  • Desperdiçar recursos: os governos passam a investir mais em campanhas de esclarecimento e em combate a fraudes, quando poderiam estar a investir em melhoria das infraestruturas, saúde e educação.

Estudos do Banco Mundial mostram que países com baixa transparência e alto índice de desinformação digital apresentam crescimento do PIB até 2 pontos percentuais menor do que as nações que valorizam a circulação de informação confiável.

O que deve ser feito

Pensamos que para reverter esse quadro, a sociedade precisa agir em várias frentes:

  1. Educação midiática e científica

    • Inserir no currículo escolar disciplinas que ensinem crianças e jovens a identificar fontes confiáveis, checar fatos e compreender o funcionamento dos algoritmos.

    • Promover campanhas nacionais de alfabetização digital para todas as idades, como já acontece em países nórdicos, onde a confiança na mídia é uma das mais altas do mundo.

  2. Legislação eficaz

    • Criar marcos regulatórios que responsabilizem plataformas digitais pela disseminação de desinformação, sem abrir espaço para censura arbitrária.

    • Exigir transparência no uso de algoritmos e na publicidade política, de modo a impedir manipulações invisíveis como as que ocorreram no caso da Cambridge Analytica.

  3. Valorização do jornalismo profissional

    • Incentivar políticas públicas de apoio a veículos de imprensa independentes e regionais, especialmente em áreas onde a população depende das redes sociais como principal fonte de informação.

  4. Participação cidadã

    • Estimular a cultura de checagem individual: antes de compartilhar uma notícia, questionar a sua origem.

    • Promover organizações de fact-checking que trabalhem de forma colaborativa com escolas, empresas e governos.

A luta pelo conhecimento verdadeiro

Sociedades que não valorizam a informação confiável condenam-se ao atraso. Já aquelas que estimulam a busca pelo conhecimento e investem em educação crítica colhem frutos de estabilidade política, inovação tecnológica e desenvolvimento econômico.

O desafio é coletivo. Se a Janela de Overton pode ser manipulada para normalizar o ódio ou a mentira, ela também pode ser expandida para valorizar a ciência, o debate democrático e a ética na comunicação. O rumo que os povos seguirão depende de como cada sociedade decide enfrentar a desinformação — ou se resignar a ela.


O custo da desinformação no mundo

 

  • US$ 78 bilhões por ano: custo estimado da desinformação digital para a economia global, segundo relatório da Global Disinformation Index (2024).

  • 80% dos brasileiros acreditam que notícias falsas já impactaram decisões políticas importantes, segundo pesquisa Datafolha (2023).

  • 55% dos europeus dizem não confiar plenamente nas notícias que recebem pelas redes sociais (Eurobarometer, 2024).

  • Mais de 120 países discutem legislações específicas contra fake news, de acordo com levantamento da UNESCO (2025).

 

 

Guia do cidadão: como se proteger da desinformação

 

  1. Cheque a fonte – Pergunte: quem publicou? É um veículo confiável ou é um perfil pessoal?

  2. Desconfie de títulos alarmistas – Notícias falsas costumam apelar para a emoção exagerada.

  3. Leia além do título – Muitas vezes, o texto desmente o próprio título.

  4. Compare em diferentes veículos – Se só um site fala sobre o assunto, pode ser falso ou distorcido.

  5. Verifique a data – Notícias antigas, fora de contexto, são usadas como se fossem atuais.

  6. Pesquise no Google Imagens – Muitas fotos de fake news são retiradas de outros acontecimentos.

  7. Confirme em agências de checagem – Organizações como Lusa Verifica, Lupa, Polígrafo, Aos Fatos e Full Fact (internacional) atualizam regularmente análises de veracidade.

  8. Não compartilhe na dúvida – Se você não tem certeza da veracidade, o melhor é não repassar.

  9. Eduque a sua rede – Ensinar familiares e amigos a identificar fake news reduz o alcance da desinformação.

  10. Valorize o jornalismo profissional – Apoiar veículos sérios fortalece o acesso coletivo à informação verdadeira.

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