Publicado em 20/02/2025 por António Cunha
Se há um elemento que atravessa fronteiras, mitos e civilizações, esse é o fruto. E, entre todos, a maçã se destaca como uma protagonista importante.
Do coração das estepes do Cazaquistão às prateleiras dos supermercados modernos, a sua jornada acompanha o percurso da própria civilização. No entanto, a maçã não está sozinha nesse processo: laranjas, bananas, mangas, cana-de-açúcar e café também carregam séculos de história e transformações globais.

A Origem da Maçã e os Caminhos da História
Todas as maçãs que hoje consumimos têm origem nas florestas da Ásia Central, particularmente na região central do atual Cazaquistão. Essa terra remota, outrora atravessada pelos exércitos de Gengis Khan, abriga uma imensa variedade de maçãs que vão das mais doces às de sabor picante.
Mas a sua influência não se limita ao paladar: a maçã desempenhou um papel fundamental em mitos que moldaram a cultura ocidental.
Na mitologia grega, foi uma "maçã da discórdia" que desencadeou a Guerra de Troia. Lançada pela deusa Éris em um banquete dos deuses com a inscrição “Para a mais bela”, a fruta provocou uma disputa entre Hera, Atena e Afrodite, levando ao famoso julgamento de Páris. Já no imaginário cristão, a maçã se tornou o símbolo da tentação no Jardim do Éden, apesar de o Livro do Gênesis não mencionar explicitamente qual era o fruto proibido. Curiosamente, essa associação surgiu de uma tradução da Bíblia para o latim, onde a palavra “malum” podia significar tanto “maçã” quanto “maldade”. A escolha linguística moldou séculos de iconografia religiosa.
Além disso, a maçã aparece na mitologia nórdica, como o fruto que concedia juventude eterna aos deuses e, nos contos de fadas, como o instrumento de envenenamento usado pela Rainha Má contra a Branca de Neve. Assim, esse pequeno fruto, aparentemente inofensivo, carregou consigo significados profundos ao longo da história.
O Papel de Portugal na Globalização das Frutas
Embora a maçã tenha se espalhado pelo mundo por meio de rotas comerciais, outras frutas tropicais, como bananas, mangas e ananases (abacaxis), nunca passaram pelos olhos de figuras históricas da Antiguidade. Jesus, por exemplo, jamais comeu uma manga ou um ananás, pois essas frutas só chegaram ao Oriente Médio e à Europa muito depois, impulsionadas pelas Grandes Navegações.
Os marinheiros portugueses tiveram um papel crucial nessa disseminação global. Durante os séculos XV e XVI, aqueles marinheiros trouxeram aquelas frutas exóticas da Ásia, dando-as a conhecer aos outros continentes. As laranjas, por exemplo, tornaram-se essenciais para os navegadores, pois a sua riqueza em vitamina C combatia o escorbuto, uma das doenças mais letais em viagens longas. O impacto desta foi tão significativo que, em várias línguas – do árabe ao romeno, passando pelo grego –, os portugueses ficaram conhecidos como os do país das laranjas, pois foram eles que levaram a versão doce dessa fruta da Índia para a Europa e o Mediterrâneo.
Mas a influência portuguesa não parou por aí. Além das laranjas, também foram os lusitanos que introduziram bananas, coqueiros, mangas e cana-de-açúcar em regiões da África e da América do Sul. No entanto, nem todas as histórias dessas frutas são doces: a cana-de-açúcar, que se tornou um dos produtos mais valiosos da economia colonial, foi também um dos principais motores da escravidão. A necessidade de mão de obra intensiva para as plantações transformou o tráfico de escravos num dos capítulos mais sombrios da história da humanidade.
A Erosão da Diversidade e o "Sabor Global"
Ao longo dos séculos, a diversidade de frutas cultivadas foi extraordinária. Estima-se que existam cerca de 600 variedades de laranjas, mais de mil tipos de bananas, outras mil variedades de mangas e cerca de 7.500 tipos de maçãs. No entanto, paradoxalmente, essa riqueza genética tem vindo a desaparecer.
A padronização do mercado e as exigências do “sabor global” têm reduzido drasticamente a variedade de espécies de frutas consumidas. Hoje, a produção em massa e a busca por resistência no transporte levaram à predominância de poucas variedades, fazendo com que a diversidade original esteja ameaçada. O que antes era um mosaico de sabores e texturas hoje se concentra em um punhado de espécies que atendem às exigências do comércio internacional.
A história das frutas, desde a sua origem ancestral até à sua domesticação e globalização, é um reflexo da trajetória migratória da própria humanidade. Elas carregam em si mitos, comércio, ciência e até conflitos. Resta-nos agora o desafio de equilibrar a necessidade de produção em larga escala com a preservação da biodiversidade, garantindo que a doçura e a riqueza desses frutos não sejam apenas uma lembrança histórica.
António Cunha
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