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"Os pregadores levam o Evangelho e os mercadores levam os pregadores."
Opinião
Publicado em 06/01/2025

"Os pregadores levam o Evangelho e os mercadores levam os pregadores." A frase do Padre António Vieira encapsula a relação simbiótica que marcou a chegada dos portugueses ao Japão no século XVI. A expansão marítima portuguesa trouxe não apenas mercadorias, mas também a fé cristã, numa convergência de interesses comerciais e espirituais que redefiniu o arquipélago nipônico.

 

Embora a data exata da chegada daqueles primeiros portugueses ao Japão permaneça incerta, relatos jesuítas sugerem que isso ocorreu entre 1542 e 1543. Foram comerciantes portugueses que, ao aportarem no arquipélago, abriram caminho para uma era de intensas trocas comerciais e culturais. Esse fluxo de mercadorias consolidou Macau como um próspero entreposto comercial, enquanto a chamada Nau do Trato, que conectava a China ao Japão, tornou-se vital para a economia regional.

Texto de José Firmino Rocha Dinis:

  • Em Maio, a Nau do Trato saía de Malaca com pimenta e outras especiarias e algodão da Índia e Molucas, vinhos, espelhos e relógios da Europa, jóias do Médio Oriente e pássaros falantes do Sião (que depois iam para a feira de Cantão), para além das mulheres cristãs, malaias, que a comunidade masculina de Macau necessitava para aumentar a população.
  • Descarregada à chegada a Macau, a nau recebia a seda chinesa, as armas, carpetes persas e obras de arte, seguindo o mais depressa possível para o Japão, a tempo de evitar a época dos tufões, entre Julho e Outubro. Se o conseguia, em Novembro partiria de Nagasáqui a abarrotar de prata, que era vendida com ainda maiores lucros em Cantão, de onde vinha mais seda, pérolas, porcelanas, ouro e mesmo produtos medicinais, que através de Malaca chegavam à Europa, com lucros acrescentados E assim, ao dobrar do século, vivendo num ambiente liberal, governado por portugueses residentes localmente, sem interferência dos venais funcionários de Goa, e temperado pela presença dos mandarins chineses, que, em qualquer momento, poderiam pôr em causa a continuidade da cidade, Macau atingia o ponto de máxima prosperidade que leva Austin Coates a considerar que "of all the cities of the Far East influenced ar chitecturally by Europe, Macao was the finest".

 

 

Atrás dos mercadores, vieram os missionários.

Em 1549, Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus, desembarcou no Japão e estabeleceu a primeira missão cristã em Yamaguchi. Ele e seus sucessores entenderam rapidamente que o sucesso da conversão dependia tanto da aceitação popular quanto do apoio dos dáimios, os senhores feudais que controlavam as comunidades. A estratégia era clara: converter os líderes para que eles conduzissem seus súditos à nova fé. Além disso, os jesuítas atuavam como mediadores no comércio entre Portugal e Japão, usando os lucros para financiar missões e construir igrejas. Foi essa aliança entre comércio e evangelização que resultou na fundação da cidade portuária de Nagasaki, em 1570.

 

O Método Valignano: Evangelização pela Assimilação

No final do século XVI, Alexandre Valignano, um missionário jesuíta italiano, trouxe uma nova abordagem à missão japonesa. Durante a sua primeira visita ao arquipélago, entre 1579 e 1582, ele propôs a assimilação cultural como estratégia de evangelização. Para Valignano, a eficácia do trabalho missionário dependia da adaptação aos costumes locais. Incentivou a aprendizagem da língua japonesa, o uso de vestimentas tradicionais e a valorização da cultura nativa. Sob a sua liderança, a Companhia abriu caminho para a ordenação de padres japoneses, rompendo com preconceitos arraigados no seio da própria organização.

Valignano também idealizou a primeira embaixada japonesa à Europa. Entre 1582 e 1586, quatro jovens cristãos de famílias proeminentes da ilha de Kyushu viajaram pelo continente europeu, visitando capitais e sendo recebidos por autoridades religiosas e políticas. O objetivo era claro: garantir apoio à missão japonesa e reafirmar a primazia dos jesuítas no trabalho de evangelização no Extremo Oriente.

Expansão, Conversões e Conflitos

O impacto da presença jesuítica no Japão foi imenso. Entre 1549 e 1570, cerca de 30 mil japoneses se converteram ao cristianismo. Esse número cresceu exponencialmente nas décadas seguintes, atingindo cerca de 300 mil fiéis no final do século XVI, segundo estimativas do historiador Charles Boxer. Centenas de igrejas foram erguidas, enquanto o cristianismo se enraizava em regiões como Kyushu. No entanto, o avanço da fé cristã também gerou desconfiança entre as autoridades locais.

Em 1587, o xógum Toyotomi Hideyoshi publicou o primeiro édito anticristão, ordenando a expulsão dos missionários e a proibição do culto cristão. A situação se agravou em 1597, com o martírio de 26 cristãos em Nagasaki. Hideyoshi via na religião cristã uma ameaça à estabilidade do xogunato, temendo que a lealdade dos convertidos ao Papa e aos reis de Portugal pudesse desestabilizar o seu poder.

Após a morte de Hideyoshi, Tokugawa Ieyasu assumiu o controle do Japão, inaugurando um novo período de repressão religiosa. Em 1614, o cristianismo foi oficialmente banido, com igrejas fechadas e fiéis ameaçados. Os jesuítas, mesmo sob risco de morte, continuaram a entrar clandestinamente no país, frequentemente disfarçados de mercadores. Foi nesse contexto que surgiram os chamados "cristãos escondidos" (kakure kirishitan), que mantiveram a fé viva por gerações.

Declínio e Resistência

A repressão atingiu o seu ápice na década de 1630, com perseguições brutais e o massacre de Shimabara, em que quase 40 mil cristãos foram mortos após uma revolta camponesa. Em 1639, o xogum proibiu definitivamente o comércio com Portugal, encerrando uma era de trocas culturais e comerciais. Os últimos registros de jesuítas no Japão datam de 1642 e 1643, marcando o fim oficial da presença missionária portuguesa naquele arquipélago.

Apesar da extinção das missões, o legado dos jesuítas perdurou. O cripto cristianismo sobreviveu até meados do século XIX, quando o Japão voltou a reabrir as suas portas ao Ocidente.

A história desses missionários, com suas estratégias pioneiras e sacrifícios extremos, permanece como um capítulo notável na interseção entre fé, comércio e cultura no Extremo Oriente.

António Cunha

 

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