

Falar sobre religião é, inevitavelmente, tocar em territórios sensíveis. As crenças religiosas estão entre os elementos mais íntimos e singulares da experiência humana. Elas moldam culturas, orientam valores, influenciam decisões sociais, políticas e pessoais — e, por vezes, geram conflitos profundos.
A série de artigos que iremos publicar nos próximos dias, pretendem fazer uma reflexão às origens do homo sapiens, ilustrar as partes mais significativas dos textos principais de cada religião, abordar os impactos e as divisões das principais religiões do mundo, mas como sabemos que podem emergir constrangimentos, empenhamo-nos para que fossem escritas com rigor académico, respeito cultural e compromisso com a verdade histórica.
Sabemos que este é um tema que pode gerar polémica, discordância e até incompreensão. Mas acreditamos que é precisamente por isso que ele deve ser abordado — com clareza, empatia e muita responsabilidade.
Por Que Falar de Religião Hoje?
Num mundo cada vez mais globalizado, plural e interconectado, o diálogo inter-religioso e o respeito pelas diferenças são mais urgentes do que nunca. A intolerância religiosa continua a alimentar guerras, discriminações e extremismos. Por outro lado, a espiritualidade também continua a ser fonte de consolo, inspiração e transformação pessoal.
Pensamos que compreender as religiões — as suas origens, textos, práticas e evoluções — é uma forma de nos educarmos para a paz, para a formação cultural e para o exercício crítico. Não se trata de promover uma fé ou de atacar outras, mas de conhecer para podermos respeitar.
Fontes e Metodologia
Todos os artigos desta série foram elaborados com base em fontes académicas e históricas reconhecidas, incluindo:
- Estudos de arqueologia, história comparada das religiões e antropologia cultural.
- Textos sagrados traduzidos e comentados por especialistas.
- Dados demográficos e sociológicos atualizados.
- Publicações de universidades, centros de pesquisa e organizações inter-religiosas.
Procurámos evitar ao máximo opiniões pessoais, focando-nos em fatos verificáveis, interpretações consensuais e contextos históricos documentados. Ainda assim, reconhecemos que nenhuma abordagem é isenta de limitações. A interpretação de textos religiosos, por exemplo, varia conforme a tradição, a época e o leitor.
Por isso, convidamos o leitor a participar:
Se identificar alguma incorreção, ambiguidade ou omissão, por favor indique claramente onde, quando e porquê considera que o conteúdo deva ser corrigido. O objetivo é construir conhecimento, com transparência e abertura ao diálogo.
Cultura Geral e Reflexão Crítica
Como esta série de artigos é dirigida a todos, procuramos incluir uma linguagem acessível, mas sem perder o rigor. Pensamos que os artigos têm uma extensão apropriada para leitura reflexiva, e foram pensados para estimular:
- A nossa curiosidade intelectual
- O respeito pelas diferenças
- A consciência histórica
- A capacidade crítica diante de dogmas e manipulações
As religiões são fenómenos filosóficos e teológicos que acompanharam a humanidade desde os seus primórdios. Entender como surgiram, como se transformaram e como influenciam o mundo atual é essencial para quem deseja compreender a complexidade da condição humana.
A Fé como Caminho, Não como Muro
A fé pode ser um caminho para o encontro, para o sentido, para a transcendência. Mas também pode ser usada como muro, como arma, como justificativa para a exclusão. Cabe a cada um de nós — crente, agnóstico ou ateu — decidir como se posiciona diante dessa realidade.
Com estes artigos não pretendemos encerrar debates, mas sim, abrir horizontes. Que cada leitor possa encontrar aqui informação, inspiração e consciência — e que, acima de tudo, possamos aprender a respeitar o outro, mesmo quando não compreendemos ou não concordamos.
António Cunha
O triunfo de Baco com Ariadne - Luca Giordano
A Jornada Humana das Divindades ao Monoteísmo
Desde os primórdios da consciência humana, o mistério da existência, da morte, das estrelas e das forças da natureza motivou a criação de narrativas que buscavam explicar o mundo. Essas narrativas deram origem às primeiras divindades, moldadas pelas necessidades, medos e esperanças das sociedades pré-históricas. Este artigo investiga, com base em estudos históricos, arqueológicos e antropológicos, como a humanidade integrou o conceito de divindade na sua filosofia de vida — e como, após milênios a adorar múltiplos deuses, surgiu o monoteísmo, uma ideia revolucionária à época que transformou profundamente a nossa história.
As Primeiras Divindades
Reflexo da Natureza e da Sociedade
Quando se observaram algumas das pinturas rupestres, sepultamentos rituais e objetos votivos, a arqueologia passou a sugerir que os primeiros cultos religiosos emergiram há - pelo menos - 30 mil anos. Os povos caçadores-coletores já atribuíam intenções divinas a fenómenos naturais: a trovoada, as enchentes, o sol, a lua, a furia ou a abundância dos animais, etc.. Surgiam assim os deuses da caça, da fertilidade, da guerra, da chuva, entre muitos outros.
Com o advento da agricultura e das primeiras cidades, como Uruk [antiga Mesopotâmia, no sul do atual Iraque, a leste do rio Eufrates], Jericó [Cisjordânia, na Palestina, junto ao rio Jordão e próximo de Jerusalém] e Tebas [Antigo Egito, onde a cidade moderna de Luxor se encontra], os panteões se expandiram. Cada cidade-estado tinha os seus próprios deuses patronos, como Marduk na Babilônia, Ra no Egito, ou Inanna na Suméria. Os deuses passaram a representar não apenas forças naturais, mas também valores sociais, como justiça, ordem, amor e poder.
A religião politeísta era plural, adaptável e inclusiva. Novos deuses podiam ser incorporados, e os mitos se entrelaçavam com a política, legitimando reis e impérios.
A Emergência do Monoteísmo
Um Salto Filosófico
O monoteísmo — a crença em um único Deus — não surgiu de forma abrupta, mas como uma evolução complexa dentro de contextos históricos específicos. Um dos primeiros registos de uma tentativa monoteísta ocorreu no Egito, com o faraó Akhenaton (século XIV a.C.), que promoveu o culto exclusivo ao deus solar Aton.
Foi o culto do faraó Amenhotep IV ou Akhenaton ao deus Aton. "Aton vivo, não há outro exceto ele!", disse o faraó. No quinto ano do seu reinado, a revolução monoteísta de Akhenaton se transformou em repressão religiosa em grande escala, num esforço sem paralelo para impor a sua visão monoteísta. A adoração de qualquer outro deus que não fosse Aton foi declarada ilegal no Egito.
Contudo, logo após a morte do faraó essa reforma foi imediatamente rejeitada.
O verdadeiro monoteísmo consolidado surgiu com os hebreus de Abraão, entre os séculos X e VI a.C., especialmente após o exílio daquele povo na Babilônia. A experiência de destruição, deslocamento e perda levou os judeus a reinterpretar a sua fé: Deus não era apenas o deus de Israel, mas o único Deus universal, criador e soberano de tudo.
Esse conceito foi revolucionário por várias razões:
- Unificação moral: Um único Deus implicava uma ética universal.
- Identidade nacional: O monoteísmo reforçou a coesão dos judeus como povo distinto.
- Resistência cultural: Em meio a impérios politeístas, o monoteísmo era um ato de afirmação.
Mais tarde, o monoteísmo judaico influenciaria o cristianismo e o islamismo, formando as três grandes religiões abraâmicas.
Consequências Históricas do Monoteísmo
O monoteísmo teve impactos profundos nos processos sociais e politicos:
- Política: Reis passaram a governar “em nome de Deus”, legitimando teocracias.
- Ciência e Filosofia: A ideia de um universo ordenado por um criador único influenciou o pensamento racional e científico, especialmente na Europa medieval.
- Arte e Cultura: A arquitetura religiosa, a música sacra e a literatura foram profundamente moldadas por temas monoteístas.
Contudo, o monoteísmo também trouxe rigidez doutrinária, exclusivismo religioso e intolerância.
Os Casos Hediondos na Evolução Teológica
A história das religiões monoteístas é marcada por episódios sombrios:
- As Cruzadas (1095–1291): Expedições militares cristãs que, sob o pretexto de libertar Jerusalém, causaram massacres e saques, inclusive contra judeus e muçulmanos.
- Inquisição: Tribunais religiosos que perseguiram, torturaram e executaram milhares de pessoas acusadas de heresia, ou bruxaria.
- Extremismo religioso moderno: Grupos que, em nome de uma interpretação literal de textos sagrados, promovem a violência, a intolerância e o terrorismo.
- Antissemitismo religioso: Durante séculos, os judeus foram perseguidos pela sua fé monoteísta distinta, culminando no Holocausto, onde foram extreminados cerca de seis milhões de judeus.
Esses episódios revelam como a interpretação dogmática de ideias religiosas pode ser usada para justificar atrocidades, em contraste com os princípios éticos originais desses credos.
Entre o Sagrado e o Humano
A jornada da humanidade na busca por sentido levou à criação de deuses que refletiam o mundo natural e social. O monoteísmo representou uma rutura filosófica, propondo uma ordem moral universal e uma divindade única. Essa ideia moldou civilizações, inspirou obras sublimes — mas também foi usada para oprimir, excluir e destruir.
Compreender essa trajetória é essencial para que a espiritualidade continue a ser uma força de união, reflexão e compaixão, e não de divisão.
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